Embora algo alheado da informação nacional, dei-me conta de que esta semana as não-notícias incidiram em especial sobre a maçonaria e os seus supostos filiados. Compreendo o interesse dos media: se não há problenas, inventam-se: a saúde de Eusébio já só preocupará a família e os amigos, o ministro das finanças ainda não anunciou novos cortes, não chove, pelo que as pontes lá se vão aguentando... Há despedimentos, há miséria, mas convenhamos: o Natal já passou, se não vier vaga de frio a lembrar-nos de que há sem-abrigo, só lá para Dezembro terão direito às couves e bacalhau tranquilizadoras das nossas consciências. Há, por esse mundo fora, catástrofes naturais, cheias nuns países, vulcões noutros... Mas é longe, não nos interessa; como também não nos interessam os massacres da Nigéria ou da Síria, ou a capacidade nuclear do Irão...
Precisamos assim de não-notícias bem vivinhas. E a maçonaria parece vir a talho de foice, pois queremos saber tudo sobre toda a gente que, por qualquer razão, alcança alguma notoriedade -- se possível, os podres, na sua falta, o que melhor escondem.
Não basta que um cidadão revele rendimentos e fontes e interesses; em breve precisará também de revelar as inclinações sexuais, declarar qual o seu clube de futebol ( se não tiver, invente, que não é crível que não tenha nenhum), as confrarias a que pertence ou em cujos eventos participou, os clubes (automóvel, motas, campismo, pesca...), os grupos de sueca e, porque não? as amantes que teve, aquelas que sonha vir a ter. Porque, nenhuma dúvida, qualquer desses grupos de interesses pode condicionar a sua actuação: sem me alongar, pergunto: quantos políticos não foram instrumentalizados por amantes? Quantos negócios se não fizeram por entre uns copos aparentemente inofensivos ou uma suecada?
Ah, responder-me-ão, mas a maçonaria é diferente. Todos ouvimos falar de lojas criminosas, como a P2 italiana; e se os maçons se escondem é porque algo têm para esconder, não é?
Tanta estupidez confrange-me, apesar de estar habituado. Ou os maçons violam a lei e devem ser punidos, ou aquilo que por lá fazem é com eles. Uma sociedade secreta é isso mesmo: secreta. Querer obrigá-la a revelar os seus segredos é pura infantilidade: exporá à luz o acessório, como rituais e indumentárias, esconderá melhor o essencial. Foi o que explicou Fernando Pessoa, quando, em pleno salazarismo, quiseram extinguir as sociedades secretas. O que só mostra como a estupidez nacional é recorrente. Ou endémica, não sei bem.
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