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quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

A Idade de Ouro (reposição)

 Longe vão os meus tempos de pregador. Hoje, sem pretender converter, nem sequer convencer, as polémicas não me motivam como antigamente e fico-me pela contra-argumentação, na esperança vã de que os factos que avanço levem os meus opositores a considerar, tenuamente que seja, que podem não estar tão carregados de razão como se julgam.

Mas, assim mo mostra a vida e confirma a realidade facebookana, esgrimir argumentos é inútil contra a fé, seja ela a religiosa, seja a das causas que se vão construindo sob os meus olhos cépticos: agricultura ‘biológica’, medicinas alternativas, acupunctura, vegetarianismo, alimentos milagrosos que até curam o cancro e se acaso fracassam é porque ou o doente os descobriu demasiado tarde, ou porque os não consumiu da forma adequada, ou com fé suficiente, atitudes anti-científicas que rejeitam as vacinas, desdenham dos medicamentos, põem em causa evidências como a da Terra ser esférica, ou o homem ter descido na Lua, embora, estranhamente, pareçam aceitar que algumas das nossas naves já viajam para fora do sistema solar...

Será a saudade do passado que me leva a considerar muito mais poética a ignorância meio século atrás, com espíritos e espiritistas, almas assombradas e exorcistas, crendices que me deixavam apavorado por ter ingerido cabelo, a medo que se transformasse no meu interior em cobra, a benzer-me para afastar Satanás, a mijar nas feridas para as desinfectar?

Certamente. Mas a ignorância de antanho resultava da falta de informação. A de hoje envolve sobretudo gente dos meios urbanos, com estudos, que se enreda em argumentos e justificações palavrosas, ignorando uns factos, deturpando outros segundo as suas conveniências, não raro sustentando as suas crenças, inevitavelmente assertivas, em “estudos” facilmente desmentíveis.

Por exemplo, partem de factos inegáveis, como os efeitos secundários dos medicamentos, ou os perigos da utilização dos pesticidas agrícolas, para desencadearem campanhas contra o uso de uns e outros, não querendo ver, pois a fé é cega, que o nosso bem-estar depende crucialmente da utilização correcta de uns e de outros.

Sou velho. Já vivi mais do que o meu pai, talvez tanto como o meu avô Cipriano. E lembro-me muito bem, que as recordações do passado são as que a memória melhor retém, de como era a vida meio século atrás, num Portugal pré-científico, subnutrido e cheio de doenças. Infantis, que as vacinas evitaram. Crónicas e incapacitantes que os medicamentos curaram  ou tornaram suportáveis. Em que o cancro — sim, comia-se tudo biológico, mas morria-se igualmente de cancro — se tratava pondo-lhe ovos cozidos por cima, para que o cancro os comesse em vez do doente. E com rezas, que pouco mais havia.

Essa época, com escasso conhecimento científico, quase sem remédios (lembro-me das sulfamidas, da tintura de iodo, do melhoral, mais tarde do Vick Vaporub), em que apenas comia ‘biológico’ do que havia, quando o havia, não foi uma Idade de Ouro. Foi uma idade de sofrimento. Onde, como diz Álvaro de Campos, eu era feliz e ninguém estava morto. Sobretudo por isso.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Sapateiros remendões

 Os doutos economistas Marcelo e Portas (também brilhantes estrategas, mas isso agora não vem ao caso), rejeitam as previsões algo pessimistas do governador do Banco de Portugal, a quem, e não há muito, chamavam o “Ronaldo da Economia”. O maquiavélico Marcelo, bem mais calado desde que eclodiu o escândalo das gémeas brasileiras, ainda aproveitou para dar ferroada, insinuando que Centeno já está em campanha para as presidenciais -  o bom julgador julga os outros por si, diz o povo.

Quem vos mandou, ó sapateiros, tocar rabecão?

quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Lobos com pele de cordeiro

Ensinaram-me os anos e as muitas leituras a desconfiar dos lobos vestidos com pele de cordeiro. E, também, a procurar descortinar a realidade, sempre  ofuscada pelos desejos.

domingo, 1 de dezembro de 2024

O beija-mão

 António Costa já foi a Kiev prestar vassalagem ao boss.

Manda quem pode, obedece quem deve.



segunda-feira, 25 de novembro de 2024

Guerras do Alecrim e da Manjerona

A parvoíce não começou agora, acompanha-nos certamente desde que a humanidade aprendeu a falar. Mas, atrevo-me a afirmar, nunca se viveram tempos tão parvos como os actuais. Se duvidam, ou pensam que exagero, atentem numa  das polémicas actuais, incida ela sobre vestuário e símbolos religiosos, a forma como  um jogador de futebol festejou ou não festejou o golo, as conversas de balneário (pensava eu que o balneário era o local onde  uns gajos nus tomarem banho procurando não deixar cair o sabonete), agora as discussões acaloradas sobre o 25 de Novembro, quase sempre com intervenientes sem idade para terem participado activamente nos acontecimentos.

Note-se que não questiono a utilidade de apurar factos, e de nos indignarmos com a punição de rapariga muçulmana que ousou mostrar os cabelos, no Irão ou na França, com os gestos malcriados ou atitudes violentas no futebol, ou com os desmandos ocorridos no pós-25 de Abril, marcados pela intentona spinolista do 28 de Setembro de 74, com o bombardeamento aéreo e ataque dos pára-quedistas ao Ralis no 11 de Março,, o Verão Quente de 75, os combates no 25 de Novembro.

Mas, no momento em que vivemos acontecimentos extremamente preocupantes, com a Terceira Guerra Mundial já em curso, fazer de uma data de um passado já distante, que já pouco ou nada tem a ver com a realidade em que vivemos, mais um símbolo para esgrimir entre adversários políticos, com importância idêntica à de saber se fulano usou cravo na lapela nas comemorações do 25 de Abril, certamente por falta de ideias actuais, excede em ridículo, e de longe, as Guerras do Alecrim e Manjerona ( António José da Silva, o Judeu) ou do Hissope (Cruz e Silva).

Digo eu, que vivi o 25 de Novembro “com muito medo e uma arma na mão”, conforme escrevi há anos neste blogue.

segunda-feira, 11 de novembro de 2024

As vítimas

Os adeptos judeus cantavam pelas ruas de Amesterdão:“Deixem as IDF ganhar / Nós vamos lixar os árabes “ (imagens e tradução na TVI). E sgundo outras fontes, “Destruímos as escolas pois já não há crianças em Gaza,”

E, coitadinhos, foram vitimas de antissemitismo. Certamente Israel vai bombardear Amesterdão e matar uns milhares como retaliação.

A flauta

 Contava-se na minha meninice que um velho da terra, outrora criança— coisa estranha! — tinha sido tirado da escola primária pelo pai na segunda ou terceira classe  para trabalhar no campo consigo, como então se usava.

O calor de Junho logo pela manhã, a enxada de bicos maior do que ele, quase tão pesada, a terra seca, gretada pelo Sol,  desanimariam qualquer um, quanto mais a ele, relezito, mal alimentado, contrariado, não que gostasse da escola e dos maus tratos diários do mestre, mas agora até ela se lhe afigurava preferível ao tormento em que se via.

Eis que o pai, barril de água-pé aos queixos, o vê afastar-se sorrateiro, pára na estrema junto a pequeno canavial , nas mãos não a famigerada enxada, mas o canivete e uma cana.

Zé, vem trabalhar!, manda.

Não posso, pai, estou a fazer uma flauta!

Algum tempo depois: Zé, vem cavar comigo!

Não posso, pai! Estou a aprender a tocar flauta!

Passou preguiçoso o tempo, com sempre sucede quando se cava. Mas passou, e chegou o meio-dia solar e com ele a hora do almoço, a que então se chamava jantar.

Tocado pela negra fome, endémica, ancestral, o rapaz chega-se, espera em vão o seu quinhão:

Ó pai, não me dá comer?

Toca flauta, Zé! Toca flauta, Zé!

terça-feira, 21 de maio de 2024

A minha história da língua

Primeiro surgiram os nomes. Exigiram-nos as coisas, todas diferentes mesmo quando aparentavam ser iguais, as pessoas, as ideias que se iam formando. Depois, os verbos. Afinal, o Homem ou ESTAVA ou FAZIA. Bicho irrequieto, tudo eram estados ou acções: bebé dorme, chefe caça. Podia construir frases: Chefe caça urso; urso caça chefe. 

Animal complicado, precisava de distinguir coisas, seres da mesma espécie pelos pormenores. Inventou os adjectivos e estragou a linguagem. Grande chefe caça urso pardo coxo; rapaz zarolho ama rapariga linda... 

O mais, declinações e conjunções, artigos e preposições, advérbios e interjeições veio por acréscimo, como vieram tempo e modo e aspecto. A língua complicou-se de tal forma que deixou de depender da realidade. Passou a construí-la. As palavras, que antes reportavam o mundo, tornaram-se barreira à sua compreensão, deturpando, mistificando. De tal forma que a ciência, quando foi inventada, mais do que as palavras, recorreu aos números, mais do que à linguagem recorreu à matemática, desconfiada dos artifícios retóricos construídos com palavras, os quais permitem defender uma ideia e a sua contrária. 

Pior. Se no início dos tempos, quando o chefe falava, o ouviam em silêncio religioso, não raro de costas, hoje, com o falajar constante e vazio, a palavra perdeu a sua antiga magia.

Chefe manda caçar urso.

Porquê urso e não bisonte? 

Que mal lhe fez o urso?

Ele quer é a pele para a mulher!

Urso é perigoso. Prefiro caçar coelhos.

Caçar está errado. Não se deve fazer mal aos animais.

Nem os nomes escaparam à banalização. Amigo é quem pede amizade no Facebook. Casa, algo que pertence ao banco. Amor, um vocativo a substituir o nome próprio:

— Amor, vai despejar o lixo!

Ou mera palavra melada que como a serpente adorável carrega em si o veneno da mentira,

— Amor, chego tarde, tenho uma reunião que vai demorar...Sim, conselho de turma, acaba tarde, está lá o Fulano, já te falei desse chato, nunca se cala, toda a gente a querer sair e ele a exigir que cada peido que dá fique em acta...

Ou desculpa para a violência doméstica, quando por ela se perdoam os maus-tratos de hoje, os mesmos que se sofrerão amanhã,

— É porque te amo!

e até desculpa  em tribunal os desfalques,

— A ré está absolvida, pode ir em paz...

  — Sr. Dr. Juiz, e os duzentos mil euros da autarquia?

Pois podem dizer-lhes adeus, afinal eram dinheiros públicos e a escrivã privatizou-os por amor, para oferecer carro topo-de-gama ao namorado que ameaçava deixá-la!