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segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Perfeição

Espevitado pela notícia da conclusão do doutoramento do Carlos Maduro, apresento aqui uma "evidência", palavra que a avaliação de desempenho me tornou abominável, da maestria de Vieira
Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, - primeiro, membro a membro, e depois feição por feição, até à mais miúda; ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama; e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.
Padre António Vieira, Sermão do Espírito Santo
Os negritos, meus, destacam complementos directos que parecem seleccionar os núcleos verbais...

Parabéns

A Carlos Maduro, pela conclusão do seu doutoramento, com tese subordinada ao tema «As Cartas de Vieira, um paradigma da retórica epistolar do barroco». Sobre Vieira, "Imperador da Língua Portuguesa", como lhe chamou Fernando Pessoa. Um abraço.

Auxiliar de escrita

Comprei (11 euros) este fabuloso auxiliar de escrita, que tão bem combina com o computador, essa  "máquina de apagar", como lhe chamava José Cardoso Pires. Uma destruidora de papel. Não lhe falta trabalho.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Partido Pelos Animais

O Tex, entusiasmado com a criação do novo partido, disponibiliza-se desde já a integrar as respectivas listas, desde que nelas não sejam incluídos gatos 
Pontos fortes: telegenia, fidelidade canina.  
Promessas eleitorais: se for eleito deputacão, será sempre a voz do dono, a quem promete desde já o respectivo salário -- na condição de ver o Proplan do dia condimentado com febras grelhadas, canja aos domingos.
Enfim, veremos se também ele, uma vez eleito,  esquece as promessas e se limita a dormitar no hemiciclo enquanto aguarda a merecida reforma.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Parabéns, Tiago

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Embirrança

Aprecio quem cultiva o amor-próprio, o auto-respeito; embirro com aqueles que se levam demasiado a sério, a quem a vaidade dá consciência excessiva da sua pessoa.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Retractação

A partir de hoje, 26 de Janeiro de 2011, não farei mais nenhum comentário nos blogues que admiro e visito diariamente -- nem em nenhum dos outros. Comentários que entenda fazer surgirão neste blogue, o meu blogue. Os que me conhecem sabem que sou homem de palavra. Motivos? Explicá-los-ei aqui, quando estiver de maré.

Turismo de ambulância

Faz a minha mãe. Ontem foi enviada para as urgências do Hospital de Leiria, onde deu entrada por volta das 13 horas. À meia-noite foi enviada para o Hospital da Universidade de Coimbra e chegou às 2 da manhã. De lá, previnem-me hoje, às 7 da manhã, enviam-na para o hospital de Alcobaça, onde ainda não deu entrada. Melhor que estas andanças, os diagnósticos sucessivos (tendinite, zona, artroses, agora entupimento das veias e artérias de uma perna) e, aparentemente, o tratamento: foi enviada das urgências de Leiria para a cirurgia vascular do Hospital da Universidade, mas como já a recambiaram... Ou muito me engano, ou logo à tarde, quando  eu chegar ao Hospital de Alcobaça, um médico dir-me-á: -- A sua mãe tem alta. E eu perguntarei, mais uma vez, mais uma vez em vão: -- Alta como, no estado em que está? E o médico, simpaticamente, responder-me-á que não é nada com ele porque já executou os procedimentos constantes da carta do hospital precedente...

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Exame de condução (mota)

Santarém, 1985. Chove. Não havia então rádio e o examinador dava as instruções com toques de buzina: uma buzinadela, virar à esquerda, duas, virar à direita. De início, tudo corre bem, apesar de o capacete me não deixar ouvir as instruções apitadas. Entro no centro da cidade em hora de ponta. O sinal passa a verde,  ainda olho para trás, tentando avistar o carro do examinador. Irritados com a demora, buzinam-me condutores impacientes. Uma buzinadela? Viro à esquerda. Duas? Volto para a direita. Outra? Quantas? Uma? Duas? Esquerda ou direita? Se tento parar, mais buzinam. Voltas e mais voltas ao sabor das buzinas irritadas na confusão do trânsito. Onde estará o carro do examinador? Encontro-o estacionado, meia hora depois, quando regresso. Resultado do exame: aprovado, certamente por ter sobrevivido no caos da cidade em hora de ponta.
FOTO: 1972. Na Mondial do meu pai, conduz o meu primo Fernando.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Água da torneira

Os nossos antepassados chegaram à Índia, deram a volta ao Mundo a beber água podre e fedorenta. Muitos portugueses só depois do 25 de Abril conheceram a alegria  de ter água potável  em casa. Saímos do malsão terceiro mundo, pensava eu. Venho agora a saber que os aristocratas que nos representam no Parlamento têm tanta aversão à água da torneira como eu ao vinho de uva Morangueira. Coitadinhos, deve fazer-lhes azia. Valha-lhes São Isaltino!
Não é apenas uma questão de custos, é de atitude. Mal começam a alimentar-se do contribuinte, ei-los transmudados em primas-donas, num novo-riquismo que prospera às nossas custas. Que alguém lhes diga que a água é H2O. Que alguém lhes diga que, se a querem  engarrafada, a paguem. Ou que a  bebam directamente das torneiras, como eu faço. Que há coisas mais importantes do que finezas, mordomias, mariquices:
Não invejo quem tem 
carros, parelhas e montes
Só invejo quem bebe 
A água em todas as fontes.
FOTO: fonte dos Montes, terra que foi de "muito vinho, poucas fontes".

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O desenguiço

Há uns tempos que não escrevia nada. Melhor dizendo, que não concluía os contos que começava, e materiais incompletos, à espera de melhor destino, vão-se acumulando, sem que saiba que desenvolvimento lhes dar. Não me quero desculpar com as numerosas contrariedades, algumas das quais aqui relatei, outras, de natureza diversa, de que não falei nem quero falar, que me roubam tempo, paciência, sobretudo a persistência, sempre fundamental na escrita. Talvez por isso tenha colocado mais posts neste blogue, tenha comentado posts de blogues que muito admiro -- nos outros, se acaso por lá passo, não deixo marcas.
Pois hoje, para minha surpresa, veio ter comigo uma história e já deu um pequeno conto. Com uns meses de trabalho, ficará aprumado, pronto a seguir o seu próprio caminho. Desenguicei.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Emissões zero

Em Abu Dhabi. Cá para mim, nem os camelos se peidarão. Projecto a que se querem colar os maiores cagões da política e da economia nacional:
Esta tarde, no encontro que reuniu empresários e gestores portugueses e locais, o chefe do governo voltou a defender o aprofundamento das relações político-económicas entre os dois países, privilegiou o sector energético, e o que considerou ser a presença “das melhores empresas portuguesas”.
O que me surpreende, tendo em conta a merda que por cá fizeram e a que se preparam para vir a fazer. Mas, há que o reconhecer, é lá, nesse país das arábias, que propõem "emissões zero".

Povo

"Enquanto a rapariga procura o número, o António tem, de novo, a sensação incómoda de regresso ao seu meio natural. Por mais voltas que a vida dê, por mais que o afaste das suas origens, sente cada vez mais, à medida que os anos vão passando, que é com o povo do campo que se sente melhor — apesar da grosseria, da inveja, da ganância e da maledicência, que não raro vêm ao de cima após meia hora de conversa.
Era, talvez, o chamamento do sangue, mas o sangue não sabe o que diz e há muito tempo que se deixara de idealizações."
Do lacrau e da sua picada

domingo, 16 de janeiro de 2011

2011

Este 2011, número primo, não começou nada bem e só agora sei porquê. Afinal, se tivesse comprado o Borda d' Água  compreenderia melhor e aceitaria talvez com maior resignação os dissabores que me vêm atentando: logo na passagem de ano parti um dente já antes partido e fiquei com o parafuso de fora; arranjado na semana seguinte, quebrou novamente e continuo a comer de parafuso; comecei o ano com gripe, mas sem tempo para estar doente: a minha mãe adoeceu, febre, tosse, dores terríveis; no hospital de Alcobaça, diagnosticaram-lhe tendinite; no dia seguinte, o médico de família mandou-a para as urgências de Leiria. Diagnóstico: zona. Uma semana depois, novo regresso às urgências de Leiria. Diagnóstico: artroses. Bem tentei que os médicos me esclarecessem a disparidade de diagnósticos e, sobretudo, que vissem, ou procurassem ver, o que é que ela tem. Nada. Diz-me o ortopedista: "A sua mãe tem alta". E os diagnósticos anteriores? E como é que a levo para casa, se está numa maca? "Isso não é comigo." E não é com ninguém. Divido o tempo entre o trabalho e as deslocações aos Montes: em 7 dias, cinco vezes, uma hora  de viagem para cada lado, regresso sempre de noite, uma maravilha para quem tem olhos como os meus.. Ontem, na volta, o carro avariou e já está na oficina para reparação cara. Como não dar ouvidos aos agoiros de Célia Cadete, comentados no Delito de Opinião, segundo os quais "sendo o ano de Saturno, teremos doze meses de destruição, fome, carestia, inquietação, miséria, angústia e tristeza" e "as pessoas serão atingidas por febres e epidemias"?
Se o Sol descobrisse, talvez a minha mãe animasse. E melhorasse. Mas continua este tempo de um cão. Que me recorda o que escrevi quando os dias eram mais alegres:
Quando será nunca mais Primavera
Pelo menos um dia radioso
Que enfeite a atmosfera neste tempo tão chuvoso?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Omo a lavar

Cordão humano em Cantanhede. Diz a advogada: "infelizmente faleceu uma pessoa". Prostituição? Assassínio? Sadismo? Não. Apenas "faleceu uma pessoa." Nem Omo lava mais branco. Mais tarde, como se nem notícia fosse, ouço dizer que Alberto João Jardim teve alta. Volta, Alberto, fazes cá falta: no continente "tá tudo grosso".

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Vem aí o FMI?

Pois não chega cá primeiro do que eu.

Exames

Nas orais, a minha autoconfiança roçava a arrogância -- e só uma vez reprovei. Foi no Instituto Comercial, a Inglês. O professor, Amável de seu nome, apresentava-se e comportava-se como um gentleman, e eu atravessava a minha fase pré-revolucionária, hiippie no aspecto, malcriada nas atitudes. Que, mais tarde, me ajudaria a compreender e a lidar com alunos rebeldes. No dito exame, o professor, que para nosso gáudio exigia ser tratado por sir Amável, não tendo outros argumentos, pois então conversa não me faltava e, fosse em Português, em Inglês, ou em Francês, falava pelos cotovelos, chumbou-me à falsa fé:
-- You speak English as a Scotsman.

Baixa-mar

Os exames começavam no final da 4ª classe e era neles que eu brilhava. Sobretudo nas orais, porque aí havia espectadores e o meu pai podia sorrir orgulhoso do filho, dois reis de gente, apenas dez anos de idade, mas, reconheciam-no os assistentes, inteligente. O facto de ser pequenino e escanifrado ajudava: sobre o estrado, em frente do quadro negro, sem vergonha, respondia com confiança às questões dos examinadores, solenes, imponentes, atrás da secretária cujo tampo ficava ao nível dos meus olhos. Não era inteligência, era memória, era atenção. Assistia às orais dos Antónios, Adolfos, Carlos, a todas até ao jota, e mentalmente respondia às perguntas dos examinadores. Quando finalmente chegava a minha vez, tinha as respostas na ponta da língua:
-- Como se chamam as duas marés?
-- Preia-mar e baixa-mar.
E o presidente do júri, o professor Eurico, esquecido da solenidade da  prova, a mostrar a sua satisfação:
-- Baixa-mar pai a outro!

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sobre as "boas pessoas"

Outro post lapidar do escritor Rentes de Carvalho. Para ler e reflectir.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

País doente

"A mãe chega tarde, como de costume. Tem de fechar o salão, é assim a vida, patroa não tem horário. Chega exasperada com o excesso de trabalho, todo o dia em pé, ainda arranja varizes, a lavar cabeças, a cortar cabelo, a pintar, a pentear... Pior é participar com entusiasmo nas conversas, ouvir os desabafos, consolar uma após outra... Bem podia cobrar como psiquiatra, mas não, apenas recebe como cabeleireira. Vem portanto arrasada e deprimida das depressões que todo o dia desfilaram pelo salão, uma que já se divorciou e porquê, outra que está prestes a separar-se e porquê, outra cujo filho detesta a escola e porquê, outra cujos filhos andam sempre doentes e os médicos não se preocupam, se se queixam alguma coisa hão-de ter, outra tem a mãe acamada... um verdadeiro rosário de dores todo o santo dia, haverá alguém feliz neste país ou só as mulheres com problemas é que tratam do cabelo?"
Do lacrau e da sua picada

sábado, 8 de janeiro de 2011

Nunca o invejoso medrou

... nem quem dele se abeirou, reza conhecido rifão. Não, não estou a pensar na campanha eleitoral em curso: não encontro nela, menos ainda em qualquer dos candidatos, nada de interessante. Estou a falar de mim próprio e de mim mesmo, a propósito do excerto que se segue, expurgado do rascunho da minha última novela por protestos das primeiras leitoras.
A arte é isso, o engenho prova-se nessas dificuldades; sei-o, à custa de me enjoar com muitas obras primas desse engenho e arte...  (Camilo, Vingança)
 
Compreendo a desilusão do leitor: resistiu até aqui, mas já desespera... Onde estão esses capítulos intragáveis, de um só parágrafo, páginas e páginas preenchidas apenas com listagens de nomes próprios ou de igrejas, que tornam o romance no melhor dos soporíferos e comprovam que estamos perante escritor de primeira água, capaz de desprezar e maltratar o leitor? Onde as partidas pregadas, para avaliar a cultura de quem lê, como aquele esófago de Mark Twain, que debruçado sobre uma asa contemplava meditativamente o pôr-do-sol? Onde a metáfora para decifrar, a alegoria que dê um significado profundo à obra e envolva o leitor na produção de sentidos? Quando aparece esse pintor que ganha a vida fazendo retratos dos turistas junto ao Sacré Coeur e a sua namorada, jornalista sempre em viagem, ora na Quinta Avenida, ora nas gôndolas de Veneza, ora pelas montanhas do Afeganistão? Pois, não há...
Está visto, este contador de histórias não respeita as regras do ofício; pior, vê-se que lhe falta paciência para minudências, pormenores, irrelevâncias. E esquece-se de explicar, evita dissertar, não se atira à igreja num anticlericalismo violento, mordendo-a com a ferocidade do Pitt Bull! Não ridiculariza as suas personagens, não nos dá herói decente nem vilão detestável... Eu sei: ele está errado. Sem mistérios para decifrar, conspirações tenebrosas contra a Humanidade, crimes nefandos, como espera cativar o leitor? E os críticos, se não são devidamente torturados, como podem admirar primeiro, valorizar depois, a arte do narrador? E é preciso tomar partido, dividir a sociedade em bons e maus, encontrar culpados para os males do Mundo, evitar o farisaísmo, apontar corajosamente dedo acusador!
A simplicidade aborrece e irrita, cada qual dizendo que assim também era escritor. Onde já se viu (tirando talvez o Decameron, o Lazarilho de Tormes, as Histórias e Contos de Proveito e Exemplo, o Amor de Perdição, O Velho e o Mar, O Estrangeiro...) uma obra impor-se, apesar da simplicidade e da clareza? Se até o velho Homero tem um capítulo da sua Ilíada recheado com nomes e genealogias!
Que fique lavrado, portanto, e sirva para memória futura, o protesto deste narrador descontente, a quem o autor não consente a autodiegese — vê-se que pouco aprendeu em Teoria da Literatura, de que lhe serve ter estudado o Genette? —, que se tenha presente este descontentamento, autorizando-se desde já o leitor a pôr de lado este livreco e a deleitar-se com outros mais ousados, que por isso mesmo conhecem o sucesso merecido, como aquele que até transcreve, ipsis verbis, o menu real que está sobre uma das mesas do Paço dos Duques de Bragança, em Vila Viçosa.
Histórias de amor há-as a pontapés, basta ligar a televisão, de amor feliz temos algumas, como a do David Mourão-Ferreira — que interesse pode ter uma história límpida de pessoas límpidas, que nem sequer são ricas, poderosas ou vestem bem, nem, pelo contrário, são miseráveis desgraçados, esquecidos por Deus e desprezados pelos homens, nem santos para o cardeal português da Congregação para a Doutrina da Fé beatificar enquanto aguardamos impacientemente pela canonização, com ou sem milagres, sabido que rareiam nestes tempos de cepticismo e de análises clínicas — nem canalhas a pedir escarro de desprezo?
Queria-se uma narrativa polifónica, emaranhada, que obrigasse o leitor a trabalhar, alisando rugas e pregas do texto, corrigindo incoerências, adivinhando sentidos ocultos, descodificando imagens, tropeçando em hipálages; na sua falta, que o autor para tal não tem nem imaginação nem talento, exige-se, pelo menos, um oponente, um adjuvante, e essas coisas todas do modelo actancial de Greimas, presente durante décadas nos manuais escolares de Português, por onde as leitoras e os leitores estudaram!

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Memória de elefante

Pastiche que circulou aquando da morte de Salazar:

Alma ruim e cruel, que enfim te partiste,
Tão tarde, diz o povo descontente,
Repousa lá no Inferno eternamente
Que nenhum português ficará triste.

Se lá no mundo infernal, onde subiste,
Memória deste povo se consente,
Não te esqueças da lusa gente
A quem tantos e tão maus tratos infligiste.

E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa o alívio que nos ficou,
A alegria imensa de perder-te,

Roga a Deus, que teus anos alongou,
Que bem cedo te faça acompanhar,
Da corja de bandidos que criaste.


Perdizes


"Um bando de perdizes corre à sua frente. Bem podiam, se quisessem, fugir para as bermas, mas sabem que burros, carroças e rapazes não são inimigos. Em vez de atalhar a corta-mato, trotam em frente, pelo mesmo caminho, cabeças bem erguidas, perdigão à frente, são mais de uma dúzia, grandes e gordas, quase como galinhas. Coitadas, domingo é dia de caça, como sobreviverão, tão pouco ariscas? Então levanta-se, bate as palmas e grita — Xô, Xô, mas o bando não lhe liga. Seguem assim durante uma lenta centena de metros, as perdizes à frente, a Joana e o rapaz atrás, até ao primeiro cruzamento, onde optam por direcções diversas."


Do lacrau e da sua picada

Pragas

Mosca da fruta. A pôr ovos numa laranja. Das minhas. Nem pesticidas nem armadilhas  ecológicas as detêm. Morrem umas, vêm outras.
(Clicar para ampliar.)

In illo tempore

A nossa burra, já bem velhinha, herdada da minha avó, que a comprou com meses e contava comovida que então lhe providenciou linda albarda pequenina para a ensinar. Meiga, dócil, inteligente, teve dentre  os seus defeitos de juventude, l'attirance d'ailleurs, que a levava durante a noite a rodar a maçaneta do portão e a evadir-se para a liberdade dos campos, em busca talvez de um amor impossível. Tanto sofreu às minhas mãos e às do meu primo, que a cavalgávamos como a cavalo e ela era apenas transporte de pobre.
Foto: Kodak Instamatic. A cavalo, a minha irmã e a minha prima. Ao fundo, a Tia Maria.

Entre Céu e Inferno

"Céu e Inferno são concepções sociais para uso da plebe ― e eu pertenço à classe-média."
Eça de Queirós, O Mandarim

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Duro inverno

D' O Livro da Primeira Classe. No campo, não havia então reformas, nem subsídios, nem rendimentos sociais de inserção, nem serviço nacional de saúde, nem medicamentos,  nem electricidade, nem saneamento básico. O aquecimento -- veja-se o que o adulto carrega às costas, talvez lenha  roubada, e a criança não ficava resguardada no casebre, antes acompanhava e ajudava o adulto na apanha dos cavacos.
Na cidade, imagem de baixo, a vida parecia então menos agreste, mais apetecível. Com as mudanças ocorridas nos últimos trinta e seis anos, não me surpreenderia se hoje o inverno fosse mais suportável no campo.
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