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sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Una historia más de guerra

 Em 1975, durante toda uma noite, um soldado pronto, de alcunha o Portimão, infernizou o quartel de Torres Novas, disparando rajada sobre rajada sobre tudo o que mexia. E nós, resguardados nas esquinas, perguntávamos Porquê?”

quinta-feira, 21 de novembro de 2019

Livro What is space? What is time?

A recente passagem por Portugal do físico Carlo Rovelli, que participou nas conferências da Fundação Manuel dos Santos, e uma breve entrevista que deu à televisão, aguçaram-me a curiosidade sobre o seu trabalho na área do espaço e do tempo, e sobre a Gravidade Quântica em Loop, em que se enquadra teoricamente, pelo que imediatamente comprei, como ebook, o seu livro What is time? What is space?, (70 pp. na versão em papel), cuja sinopse promete
“[a] novel image of the world is taking shape in fundamental physics: a world without time and without space. “
Esperava eu encontrar uma nova perspectiva do espaço e do tempo, sustentada por sólidos, ou pelo menos por convincentes, argumentos teóricos e, melhor ainda, empíricos, derivados, por exemplo das mais recentes descobertas, como a confirmação da existência do bosão de Higgs, que permeia o espaço, ou das ondas gravitacionais que o agitam.
Em vez disso, o autor preenche a obra com a sua autobiografia, viagens, universidades importantes, cientistas famosos que por lá conheceu, generalizações filosofadas... 
Sobre os assuntos que dão o título à obra, o espaço e o tempo, muito, muito pouco. Afirma que o espaço não existe — mas refere-se-lhe constantemente, precisando embora que espaço são as conexões entre os grãos do campo gravitacional. Como, porquê? Pois ficamos sem saber, uma vez que é silogisticamente que chega a tais conclusões. Atente-se, por exemplo, nos conectores que assinalei a negrito no seguinte excerto:
If one now combines the basic ideas of general relativity and quantum mechanics, it follows immediately that since space is a field (the gravitational field) space must have a granular structure, as does the electromagnetic field. The quanta of the electromagnetic field are the photons. The quanta of the gravitational field must be “grains of space”, because the gravitational field is the physical space. The dynamics of these grains must be probabilistic. Hence space (i.e. the gravitational field) must be described as “clouds of probability of grains of space”.”

A mesma lógica é empregue para negar a existência do tempo:

“Time does not exist: it is necessary to learn to think about the world in non-temporal terms. This is difficult, because we are accustomed to thinking about time as something in itself, which is flowing.”

Sobre o seu posicionamento teórico, a Gravidade Quântica em Loop, fiquei apenas a saber que a teoria não tem ainda a capacidade preditiva necessária para descrever o Universo e ele mesmo não parece muito convencido da sua virtude, embora a prefira à Teoria das Cordas:
“There are various reasons for which I do not like string theory. One is that the theory predicts an enormous amount of stuff, for which there is no evidence: many extra dimensions, super-symmetric particles, new exotic kinds of particles. Experimental evidence for all this has been searched, but without any positive result. Second, I think that string theory fails to incorporate the true discovery of general relativity: namely the fact that spacetime is just a field.”

Lógico. Se preferisse a Teoria das Cordas trabalharia nela, suponho. E quanto a evidências empíricas, e segundo este livro, a Gravidade Quântica em Loop não está melhor, o que lhe suscita dúvidas salutares, as quais, no entanto, não reforçam nem validam as suas opções teóricas:
“but on the other there is the frustration of the risk of working a whole life on theories that in the end might turn out to be wrong.”


Vou baixar amostras gratuitas dos seus outros livros, na esperança de que sejam mais esclarecedores do que este. Que é uma grande desilusão.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

No jornal Tornado

Invernias

Aí pelos meus cinquenta anos, sentindo a aproximação inexorável do inverno da vida, escrevi “Invernia”, que viria a fechar o romance Entre Cós e Alpedriz:
Invernia

Badaladas do sino
Ecoam pela aldeia deserta
Porta-voz do destino
Recordam aos velhos a morte certa

Quando será nunca mais Primavera
Pelo menos um dia radioso
Que enfeite a atmosfera neste tempo tão chuvoso?

Ah, rapazes do meu tempo
Ah, mocidade da minha geração
Uma fogueira no peito
Uma laranja em cada mão
Esqueçamos o tempo já passado
Vamos apanhar gelo
Vamos colorir o coração

Nasçam malmequeres
Cresça a couve
que se sache e se monde
que se colha e se coma

Lá, onde corre a fresca regueira
onde nasce o agrião
Enchamos o cinzento de laranjas
uma no céu, uma em cada mão


O sino dobra novamente a finados...

segunda-feira, 4 de novembro de 2019

O Drácula

No segundo ano do meu estágio, então chamado Profissionalização em Exercício, chegaram vários colegas de outras escolas. 
Um deles, alto, magro, camisa sem colarinho, longo sobretudo preto, olhar esgazeado, pose de génio, foi logo alcunhado por um de nós: Drácula.
Incompreendido por todos nós,  exceptuando uma outra estagiária, do seu grupo disciplinar, a quem apalpava as coxas nas reuniões, seduzida pela “linguagem do Mestre” — era assim que se lhe referia — pois o nosso Drácula respirava Lacan, arrotava Lacan, tratava-nos, tanto a nós, colegas de estágio, como aos orientadores, com tal sobranceria que me lembro de ouvir um dizer-lhe que, de cada vez que abria a boca, era para nos chamar burros.
Num seminário em que ele arengava interminavelmente, insuportavelmente, um orientador, baixo, obeso, que sempre dormia nas reuniões após o almoço, desculpado pelos seus pares com  problemas cardíacos de que efectivamente sofria e cedo haveriam de o vitimar, interrompeu o forte roncar e, ouvindo o Drácula a proclamar, deliciado com o efeito de choque da boutade, que todos nós temos três pais, resmungou alto:
— Só se és tu!
Ruidosa gargalhada geral quebrou o formalismo, desvaneceu o enfado e enfureceu o distinto orador.

Mas os alunos conheciam-no por outra alcunha. “O professor do c*”.
Isto porque, na aula de apresentação, incomodado com a entrada às pinguinhas da turma, berrou para um dos retardatários com o seu sotaque cerrado do Porto:

— Olha lá, pá, que c*ralho de turma é esta?