No segundo ano do meu estágio, então chamado Profissionalização em Exercício, chegaram vários colegas de outras escolas.
Um deles, alto, magro, camisa sem colarinho, longo sobretudo preto, olhar esgazeado, pose de génio, foi logo alcunhado por um de nós: Drácula.
Incompreendido por todos nós, exceptuando uma outra estagiária, do seu grupo disciplinar, a quem apalpava as coxas nas reuniões, seduzida pela “linguagem do Mestre” — era assim que se lhe referia — pois o nosso Drácula respirava Lacan, arrotava Lacan, tratava-nos, tanto a nós, colegas de estágio, como aos orientadores, com tal sobranceria que me lembro de ouvir um dizer-lhe que, de cada vez que abria a boca, era para nos chamar burros.
Num seminário em que ele arengava interminavelmente, insuportavelmente, um orientador, baixo, obeso, que sempre dormia nas reuniões após o almoço, desculpado pelos seus pares com problemas cardíacos de que efectivamente sofria e cedo haveriam de o vitimar, interrompeu o forte roncar e, ouvindo o Drácula a proclamar, deliciado com o efeito de choque da boutade, que todos nós temos três pais, resmungou alto:
— Só se és tu!
Ruidosa gargalhada geral quebrou o formalismo, desvaneceu o enfado e enfureceu o distinto orador.
Mas os alunos conheciam-no por outra alcunha. “O professor do c*”.
Isto porque, na aula de apresentação, incomodado com a entrada às pinguinhas da turma, berrou para um dos retardatários com o seu sotaque cerrado do Porto:
— Olha lá, pá, que c*ralho de turma é esta?
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