Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

A Idade de Ouro

Longe vão os meus tempos de pregador. Hoje, sem pretender converter, nem sequer convencer, as polémicas não me motivam como antigamente e fico-me pela contra-argumentação, na esperança vã de que os factos que avanço levem os meus opositores a considerar, tenuamente que seja, que podem não estar tão carregados de razão como se julgam.
Mas, assim mo mostra a vida e confirma a realidade facebookana, esgrimir argumentos é inútil contra a fé, seja ela a religiosa, seja a das causas que se vão construindo sob os meus olhos cépticos: agricultura ‘biológica’, medicinas alternativas, acupunctura, vegetarianismo, alimentos milagrosos que até curam o cancro e se acaso fracassam é porque ou o doente os descobriu demasiado tarde, ou porque os não consumiu da forma adequada, ou com fé suficiente, atitudes anti-científicas que rejeitam as vacinas, desdenham dos medicamentos, põem em causa evidências como a da Terra ser esférica, ou o homem ter descido na Lua, embora, estranhamente, pareçam aceitar que algumas das nossas naves já viajam para fora do sistema solar...
Será a saudade do passado que me leva a considerar muito mais poética a ignorância meio século atrás, com espíritos e espiritistas, almas assombradas e exorcistas, crendices que me deixavam apavorado por ter ingerido cabelo, a medo que se transformasse no meu interior em cobra, a benzer-me para afastar Satanás, a mijar nas feridas para as desinfectar?
Certamente. Mas a ignorância de antanho resultava da falta de informação. A de hoje envolve sobretudo gente dos meios urbanos, com estudos, que se enreda em argumentos e justificações palavrosas, ignorando uns factos, deturpando outros segundo as suas conveniências, não raro sustentando as suas crenças, inevitavelmente assertivas, em “estudos” facilmente desmentíveis.
Por exemplo, partem de factos inegáveis, como os efeitos secundários dos medicamentos, ou os perigos da utilização dos pesticidas agrícolas, para desencadearem campanhas contra o uso de uns e outros, não querendo ver, pois a fé é cega, que o nosso bem-estar depende crucialmente da utilização correcta de uns e de outros.
Sou velho. Já vivi mais do que o meu pai, talvez tanto como o meu avô Cipriano. E lembro-me muito bem, que as recordações do passado são as que a memória melhor retém, de como era a vida meio século atrás, num Portugal pré-científico, subnutrido e cheio de doenças. Infantis, que as vacinas evitaram. Crónicas e incapacitantes que os medicamentos curaram  ou tornaram suportáveis. Em que o cancro — sim, comia-se tudo biológico, mas morria-se igualmente de cancro — se tratava pondo-lhe ovos cozidos por cima, para que o cancro os comesse em vez do doente. E com rezas, que pouco mais havia.

Essa época, com escasso conhecimento científico, quase sem remédios (lembro-me das sulfamidas, da tintura de iodo, do melhoral, mais tarde do Vick Vaporub), em que apenas comia ‘biológico’ do que havia, quando o havia, não foi uma Idade de Ouro. Foi uma idade de sofrimento. Onde, como diz Álvaro de Campos, eu era feliz e ninguém estava morto. Sobretudo por isso.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Moda Outono/Inverno

As tendências da moda na condução para esta época obedecem ao estilo négligé (ou ‘desleixé’) e são inspiradas no mau tempo que se tem feito sentir, com dias escuros, chuvosos, de visibilidade reduzida, e também em preocupações ecológicas 
Por isso, a moda é conduzir com as luzes apagadas, mesmo que o dia se tenha feito noite; alguns levam a moda tão a peito que nem na noite mais escura acendem as luzes. Poupa as lâmpadas, poupa energia, e, o mais importante, segue os ditames da moda. Alguns, ainda indecisos, optaram por apenas ter luzes de um dos lados da viatura, o que tem a vantagem de permitir uma dupla interpretação: uns, observando o lado escuro do carro, deduzirão que é de fiel seguidor da moda desta estação; outros, pensarão que se trata de uma mota, já que os motociclistas, velhos jarretas que desprezam modas, teimam em circular, de dia ou de noite, com as luzes todas acesas.
Outra tendência da moda deste ano deriva da anterior: jamais sinalizar a mudança de faixa ou de direcção: Era o que me faltava ter de dizer aos outros para onde vou! Viro para onde quero, quando quero, não admito que restrinjam a minha liberdade, para que é que se fez o 25 de Abril?
Tenho observado ainda outra tendência, mas não sei se vingará, por me parecer demasiado infantil: sobretudo na autoestrada, há aqueles condutores que, imaginando-se talvez a competir na Fórmula 1,  se colam ao pára-choques do carro da frente para aproveitar o efeito de sucção e de repente, zás! guinam bruscamente à esquerda e ultrapassam ã falsa fé.

E agora que todos conhecem a moda da estação, vamos lá a respeitá-la: NUNCA acender as luzes, NUNCA sinalizar as mudanças de direcção, e SEMPRE pregar cagaços aos outros condutores, que isto de andar na estrada não precisa de ser enfadonho!

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Que fazemos debaixo do Sol?

Para quê fazer, por exemplo, água-pé, se o pessoal, depois de a provar, e mesmo que esteja muito boa, a não bebe, preferindo o vinho do ano anterior? E eu também...
Para quê escrever, se os editores nada querem comigo, se os leitores dos meus romances, exceptuando Entre Cós e Alpedriz, se contam pelos dedos das mãos — talvez de uma das mãos?
Não sei. Tal como não sei se a vida terá algum sentido. Ou se faz sentido preenchê-la de manhã à noite com inutilidades.
Nada de novo, nada de original nestas minhas medíocres reflexões — já o velho Eclesiastes o disse e muito melhor do que eu:
“E olhei eu para todas as obras que fizeram as minhas mãos, como também para o trabalho que eu, trabalhando, tinha feito, e eis que tudo era vaidade e aflição de espírito, e que proveito nenhum havia debaixo do sol.” (Ec. 2.11)
Mesmo assim, enquanto as forças, que vão já escasseando, me não faltarem, enquanto a cabeça funcionar e os meus múltiplos interesses se não esvanecerem por completo, vou continuar. Porque sou teimoso, casmurro de tal forma que nem a mim próprio logro convencer-me e, mesmo sabendo da inutilidade do esforço, prefiro-o de longe ao arrastar da vida e da velhice em estéreis conversas de café, ao definhar tristonho, sem desejar partir, sem querer ficar.

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

O Nada da vida

Num universo saído do Nada — talvez um entre miríades a brotarem constantemente como bolhas de metano em pântano — hoje com mais de cem biliões de galáxias, cada uma com com mais de cem biliões de estrelas, uma infinidade de planetas, nascemos nós, condenados a regressar depressa a esse Nada, como luz que apaga e nada deixa atrás de si, nem sequer simples fotões a viajarem infinitamente no tempo e no espaço...
Comecemos pelo óbvio. 
Não tivesse eu nascido e nada sofreria. Não me atormentariam os mistérios do Universo, nem me incomodariam os sofrimentos da Humanidade, nem o seu destino inexorável, nem recearia o vazio que é a morte, essa eternidade sem tempo, sem ontem, nem hoje, nem amanhã, sem causas e sem efeitos, sem conhecimento, nem sofrimento, nem prazer. 

Ou tivesse eu morrido na infância, como esteve para suceder vezes sem conta, antes de ter consciência de que estava vivo. Hoje, nem uma memória seria, falecidos todos aqueles que me me podiam recordar com pálida tristeza. 

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Do profissionalismo

(A noite estava escura e tempestuosa)
Chovia torrencialmente, o vento soprava forte, o frio era cortante naquela noite de Janeiro. Não havia então casas próximas da minha, situada no limite da vila, em zona tida por insegura, com tiroteios frequentes nas imediações.
Aí pela meia noite, tocam-me à campainha. Quem será, com um temporal destes? Outra vez algum bêbedo desnorteado?
Assomo à janela. Um táxi, de onde saem para a chuva duas mulheres desconhecidas. Engano, seguramente.
Se era ali que morava — eu! Sim.
Se podiam entrar e falar comigo — com o colega, somos do Júri Nacional de Exames...
Já eu corria a abrir a porta, que entrassem, que saíssem do temporal, Mas o que se passa?
Entram, encharcadas, a tremer com frio. E em frente à lareira, enquanto aqueciam, em vez de explicações, perguntas: Se já tinha começado a corrigir os exames que me tinham sido entregues nessa manhã, em Lisboa — a cem quilómetros de distância.
Surpreendido, disse que não. Só tencionava começar esse trabalho no dia seguinte. E não me passou despercebido o alívio que transpareceu nos seus rostos preocupados.
E onde tinha os exames? Ah, em gaveta da minha secretária, no escritório, no primeiro andar, fechados à chave. Se os podiam ver? Sim, claro, mas porquê?
Vamos lá, então.
Abri a gaveta onde estavam os envelopes com os exames. E elas: cá está! Colega, este envelope foi-lhe entregue por engano, vamos substitui-lo por este, e retirou um da pasta, faça favor de conferir se o número de provas está correcto.
Compreendi o que tinha sucedido: por engano, naquele tempo em que ainda não havia computadores, entre os vários envelopes com provas para eu corrigir, tinha-me sido entregue um da minha escola. E aquelas professoras correram até à província em demanda de um desconhecido, que nem sabiam onde morava, indiferentes ao temporal, a expensas próprias, para corrigirem o erro, que nem seria culpa delas, antes que pudesse chegar ao conhecimento público.
Era com este profissionalismo que trabalhávamos nos anos 80. E que continuámos a trabalhar nas décadas seguintes.
Ah, naquele ano, o da PGA — Prova Geral de Acesso (ao ensino superior) — corrigi mais de mil exames, nas quatro fases, sem qualquer redução ou dispensa das minhas funções docentes. Foi duro, não tive escolha, embora esse trabalho fosse pago. E o dinheirito deu-me muito jeito naqueles tempos de penúria.

terça-feira, 25 de setembro de 2018

Palavras, apenas palavras

Tanto a religião como a ciência estão de acordo nisto: o Universo surgiu do Nada. Ou criado por uma divindade, ou como resultado de uma singularidade que originou o Big Bang.
(Divindade e singularidade são apenas palavras, uma criação humana, para mencionar o desconhecido.)
Mas ateus e crentes divergem num ponto fundamental: para os primeiros, não é necessária intervenção criadora: o Nada é instável, a criação de um universo exige uma energia mínima ou até nula (somada toda a energia do nosso Universo, positiva e negativa, dá zero), e as flutuações quânticas não só permitem, mas exigem que no Nada primordial surjam constantemente partículas, umas virtuais outras reais, pelo que os universos podem brotar como cogumelos na floresta após chuvada de Outono e nessa infinidade de universos, um, o nosso, reuniu as condições necessárias e suficientes para o aparecimento de seres capazes de reflectirem sobre a sua criação.
Porém, tal como a existência de um Criador coloca a questão da sua origem, também a criação de universos a partir do nada tem o seu calcanhar de Aquiles: o que é o Nada, porque há nesse Nada leis científicas, por básicas que sejam, a permitir a existência da Mecânica Quântica e respectivas flutuações?
Somos, tanto na hipótese criadora do Universo por divindade, como na materialista, por exigência das leis da Ciência, confrontados com algo pré-existente necessário à criação do Universo, e, eventualmente, de outros universos…
A distingui-las, apenas palavras.

terça-feira, 17 de julho de 2018

Degradação do estatuto social dos professores

Estávamos nos anos 80, e o comboio tornava a minha escola muito procurada. Os professores vinham efectivar, ficavam dois ou três anos até conseguirem vaga mais próxima. De Coimbra ou de Lisboa, sem vontade de ver definhar a sua brilhante existência em vila de província. 
Era chegarem, não raro atrasados, culpa do comboio, com justificação assinada pelo  chefe de estação, aceite com a benevolência da direcção, que lhes retirava as faltas, “darem” as suas aulas, saírem à pressa, muitas vezes antes do toque, para apanharem o próximo comboio que os levava dali para fora,  para a civilização onde podiam respirar de alívio e criticar pelos cafés a escola que era a sua, mas não sentiam como tal. 
Isto quando a CP não estava em greve — maquinistas, ou pessoal de estação, ou revisores, ou outros, pouco importava. Não podiam vir à escola, falta de transporte.
A nós outros, que vivíamos a escola como nossa, embora nenhum fosse natural da vila, só nos restava resmungar contra tal desapego, incomodados com a imagem que passava para fora, todos os professores metidos no mesmo saco. 
Até porque alguns pareciam não ter compreendido a mudança que acarretava terem passado de alunos a professores. 
Lembro-me, por exemplo, de um, guedelhas desgrenhadas, barba por fazer, a correr pela sala de professores, abrir a janela, gritar para um aluno que passava no átrio:
— É pá, chama-me esse gajo!
O aluno, estupefacto, olhava-o sem compreender.
E o meu colega, a ver que perdia a boleia para a estação:
— Depressa, chama-me esse gajo... Aquele professor que vai além...


Pois é, a degradação do estatuto social da profissão começou em nós, começou por nós.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

Contagem do tempo de serviço dos professores

No pouco que vi do debate parlamentar, estranhei nenhum partido recordar as “ajudas” à banca e a indemnização aos respectivos “lesados”, os vultuosos perdões de dívida aos grandes clubes de futebol pela CGD, quando Costa disse e repetiu que não tinha 600 milhões para a reposição da contagem do tempo de serviço dos professores. E o silêncio cúmplice da (soit-disante) esquerda.

terça-feira, 24 de abril de 2018

Alfarrabistas e livrarias que fecham

Há uns anos, procurei pelas livrarias da zona do Chiado um livro. E explicava aos empregados desinteressados o que queria: em Português, de autor português, que tratasse da vinha e do fabrico do vinho. Sabia que devia haver porque, no passado, tinha lido várias obras com essas características na Biblioteca Municipal.
Sem o menor interesse, todos, em todas as livrarias, me diziam não haver tal livro.
Então, lembrei-me dos alfarrabistas e fui às Escadinhas do Duque. Na primeira loja em que entrei, uma senhora, já bem na meia idade, fazia o Sudoku e mal levantou os olhos para me ouvir. Não tinha nada do que eu queria, disse. E, já sem esperança, entrei no alfarrabista seguinte, que, salvo erro, pegava com a loja anterior.
Atendeu-me um senhor de idade avançada, octogenário, que me ouviu atentamente e sentenciou: o que procura é o livro do engenheiro Octávio Pato. O mais completo e o melhor. Venha comigo. E levou-me à loja anterior, foi directo a montão de livros, retirou um, passou-mo, Aqui o tem. E deixou-me a pagar à senhora do Sudoku.
Guardo preciosamente tal livro, a minha Bíblia no fabrico do vinho. Todos os anos o consulto, nem que seja apenas para dosear o ácido tartárico e o metabissulfito de potássio.

Já percebem porque é que fecham as velhas livrarias e os alfarrabistas?

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Numpelecebo!

Da única vez na minha vida em que entrei num restaurante chinês, depois de estudar a ementa à procura de comida que a minha boca aceitasse, pedi pato com grelos. Veio, e eu chamei a empregada para reclamar: aquilo era frango com brócolos! E ela, até aí fluente no Português, só me dizia: Numpelecebo! Numpelecebo!
Pois nunca mais entrei num restaurante chinês porque também eu Numpelecebo!

sexta-feira, 30 de março de 2018

Ler no telemóvel

Certamente já toda a gente sabe, mas aqui vai na mesma. Descarregando para um telemóvel (smartphone) a aplicação gratuita Kindle, passa-se a poder não apenas ler com facilidade e conforto os ebooks disponíveis na loja da Amazon, entre eles os meus livros, de que anexo duas fotos ilustrativas, mas, também, milhares de livros gratuitos, o que é especialmente importante para quem gosta de ter sempre consigo os clássicos.
É também possível descarregar gratuitamente amostras dos ebooks à venda, o que me permite decidir da compra após a leitura dos primeiros capítulos. Evito, assim, muitas compras precipitadas, frequentemente influenciadas pelas críticas, de livros que depois não leria por se não enquadrarem nos meus gostos.

E, como se vê pelas fotos,  nem o aspecto nem a legibilidade são prejudicados.


segunda-feira, 5 de março de 2018

Alerta um pouco técnico e chato: Windows 10 Home

Tenho um computador portátil sem CD-ROM, que comprei há uns bons anos com o Windows pré-instalado. Ora anteontem precisei de o usar, mas cometi um erro que apagou o carregador de arranque (winload.exe) da MBR.
Sem conseguir arrancar o computador, e impossibilitado de recorrer ao velho amigo Linux, que sempre me resolve problemas deste tipo por, como disse, não ter CD-ROM, fui ao site da Microsoft descarregar uma imagem ISO para pen, a fim de tentar arrancar o computador e recuperar o sistema. Só encontrei para Windows 10.
Não foi às primeiras, mas lá pus o portátil a trabalhar. E a história acabaria aqui, não fosse algo muito preocupante, que passo a descrever.
Descontando o facto de não gostar do W 10, tentei repor o Word. Todos os meus programas são legais. Ou comprados, como é o caso do Office — tenho dois, o 2007 e o 2010, ambos em DVD — ou software livre.
Não me foi permitido instalar nada. Nem o Office, da Microsoft, nem, por exemplo, o Chrome. Surgia sempre o aviso indicando que, por razões de segurança, só podia instalar o software existente na loja da Microsoft. Ou comprar outra versão do Windows por 250 euros.
Se bem percebi — o Windows 10 Home já foi à vida — quem o instalar, ou comprar um computador com ele pré-instalado, fica preso à loja da Microsoft, que tem pouco software, caro, e inadequado para muitos utilizadores.
Se assim for, tenham cuidado com a ratoeira. Quase todos os comoutadores são vendidos com o Windows pré-instalado, sem unidade de DVD / CD-ROM, aliás inútil pois é o sistema operativo que só permite instalar os programas comprados na sua loja. E não será fácil para a generalidade dos utilizadores substituírem o Windows por outros sistemas operativos.  

É o que vou tentar fazer esta tarde.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Eu e a Medicina Tradicional Chinesa

Na assistência, barbudos fardados de hindus, outros de rabicho e vestuário tradicional chinês, professoras de ioga de salto alto, alguns discípulos do mestre vestidos à ocidental como eu, que estava naquele seminário atraído pela fama do orador, fascinado pelos seus livros, seduzido pela sua execução de Tai Chi, que conhecia de vídeos comprados na Amazon.
Falava fluentemente o Inglês, bom conversador, gabarola, divertido. Segundo o currículo, a viver há muitos anos nos Estados Unidos, onde se doutorara num qualquer ramo da Mecânica; trabalhou primeiro na NASA, até se deixar disso, e passar a viver das artes chinesas — medicina, tai chi, seminários, livros e vídeos.
E contava, para delicia da audiência, que o seu antigo emprego o matava. Por exemplo, com frequentes pedras nos rins, na bexiga, que a medicina ocidental não resolvia, apesar dos cinquenta dólares que lhe custavam os medicamentos. Em desespero, parou numa herbanária chinesa, comprou um chá por uns cêntimos, que em dois ou três dias o curou, bastando-lhe depois beber desse chá de tempos a tempos, preventivamente. E eu fiquei deveras impressionado, a lembrar-me do que tinha padecido com crise renal uns anos antes. 
Ele continuava a exaltar os prodígios da medicina chinesa, rindo e fazendo rir a assistência à custa da medicina ocidental, cara, ineficaz, nociva para o organismo. Por exemplo, um dia entrou-lhe no consultório um doente desesperado, a quem os médicos davam pouco tempo de vida devido a cancro nos pulmões. Receitou-lhe uns exercícios respiratórios, que ali nos exemplificou, e para sua alegria e surpresa, semanas depois o moribundo entra-lhe pelo consultório aos gritos Doctor Yang (os mais atentos repararão que com o doutoramento em Mecânica se fazia passar nos EUA e cá por médico!), doctor Yang, estou curado! E mostrava exames que comprovavam que o tumor desaparecera.
Bom, aqui confesso que fiquei algo incrédulo; mas continuei calado enquanto o chinês se vangloriava dos múltiplos milagres, dele, da medicina chinesa, da prática da meditação e do Tai Chi.
Até que.
— Quem é que tem problemas de coração?
Ninguém se acusou.
Passou os olhos pela assistência e fixou-os em mim, talvez por ser dos mais velhos (andava então pelos cinquenta, a idade do mestre), ou por ser dos mais atentos, pois tomava notas. Arrepiei-me: o mestre teria visto em mim sintomas de doença cardíaca? E abanei negativamente a cabeça: — Creio que não, fiz há pouco tempo um ecocardiograma, treino karaté, não sinto ainda nenhuma insuficiência cardíaca...
Pois ele tinha. Recentemente, tinha feito um bypass às coronárias, após a morte de um irmão aos 48 anos. E na recuperação o médico — este não era doutorado em Mecânica — mandou-o fazer muito exercício.
— Mas, doctor, faço doze horas diárias de Tai Chi.
E o doctor ocidental a dizer que o Tai Chi é bom para baixar a tensão arterial e o stress, mas não para baixar os níveis elevadíssimos de colesterol que o paciente apresentava. Devia fazer corrida, bicicleta, saco — exercícios violentos, para queimar colesterol.  O que o nosso crítico das práticas ocidentais passou a acrescentar aos seus treinos de  Tai Chi.
“Então curas os outros, curas o cancro alheio, mas que doctor és tu que não te curas a ti mesmo? Vendes seminários caríssimos — salvo erro, e estávamos no princípio do séc. XX, paguei 140 euros para o frequentar durante 2 dias — , mas quando “ela” te bate à porta, confias a tua vida à medicina que ridicularizas e não à que vendes aos outros?” — ruminei, logo ali.
Mas, já que o tinha pago, frequentei o seminário até ao fim. A ver os portugueses “hindus” de amarelo, os “chineses” de branco ou de preto, fascinados, a contribuirem para a discussão da inquestionável presença de extra-terrestres entre nós, a raptar mulheres e a engravidá-las...
Nem tudo se perdeu. O mestre era e ainda é um excepcional praticante de Tai Chi — embora os místicos não participassem nas aulas práticas, ficando-se pelo bar, certamente a comer vegetais e a prosseguirem a discussão sobre os sentimentos dos pobres animais que ao saberem que vão ser abatidos libertam enzimas e hormonas que contaminam a carne e arruinam a saúde dos parvos dos ocidentais.

E nunca mais voltei...

terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

Os meus contos publicados

A quem possa interessar: os meus contos estão finalmente publicados, em papel e em ebook.
O livro, intitulado Vento e Barro, pode ser adquirido na Amazon. Recomendo a Amazon espanhola ,uma vez que os envios são gratuitos.
Em caso de dificuldade, agradeço contacto.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Como se faz um descrente

Conta Lobo Antunes que foi assediado sexualmente por um professor de Moral, fazendo-me recordar que as minhas desavenças com religiosos e igreja começaram bem cedo, aí pelos meus sete anos.
O meu pai mandava-me à catequese, não por fé, que a não tinha, mas porque sempre era melhor do que andar na rua, na coboiada com a garotada de má fama, suspeitos de crimes atrozes como roubar fruta de árvore de onde caía para o chão. E eu já então lia tudo o que apanhava, tinha memória espantosa e a mania de que sabia tudo. Ora um dos raros livros que havia em minha casa, não imagino o motivo, era Os Quatro Evangelhos. Que eu sabia de cor e salteado, pois naquela idade bastava-me ler para decorar.
Era uma guerra com a pobre catequista, quase analfabeta, ela a papaguear o catecismo e eu a desmenti-la: Jesus não tinha dito nada daquilo porque S. Mateus contava que...
Chegou seminarista para ajudar e a catequista logo me despachou para ele. Que também não parecia ter lido os evangelhos: quando o desmenti, pregou-me forte chapada. E eu saí sacristia fora, para satisfação de ambos.
O meu pai estava em casa.
— A catequese já acabou?, perguntou desconfiado.
— Vim-me embora e não vou mais!
— E porquê?
Contei que o padreco me tinha batido. O meu pai nada disse, mas não me obrigou mais a frequentar a catequese. Quando tive de gramar as aulas de Religião e Moral fiz a vida negra aos padres, que não raro me punham na rua, mas essas são histórias para outra ocasião
Foi apenas aos 14 anos que de uma assentada me confessei pela primeira e última vez, comunguei, e fui crismado, aproveitando visita do bispo à minha freguesia.
Talvez por isso me não possa agora vir gabar de ter sido assediado por um qualquer padre, que entre mim e eles sempre quis distância.

Loucuras anódinas



Apesar do frio e do vento agreste, não resisti e saí a experimentar a velha Vespa, que tem andado a ser intervencionada quase todas as tardes, e também para estrear o capacete integral que comprei recentemente.
Máquina e capacete impecáveis. 
Reconheço que devia ter juízo e ficar resguardado no conforto doméstico. Mas ainda bem que uma pequena dose de loucura me não abandonou pois, como diz o poeta
“Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?”
(Fernando Pessoa, Mensagem, D. Sebastião)

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Contos em ebook

Os meus contos já estão disponíveis em ebook. E em breve, em papel.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Publicação de contos

PUBLICAÇÃO DE CONTOS
Entusiasmado com a recolha que as minhas filhas me ofereceram com textos do meu blogue, fui aos meus contos, dispersos por pastas, mais ou menos perdidos em discos externos, seleccionei-os e publiquei-os na Amazon, em papel e em ebook.
Título: Vento e barro.
182 páginas, formato 13,50X21 cm.
Para além do texto autobiográfico homónimo com que abre, o livro inclui:
A sereia
Os cornos do Diabo (Prémio Irene Lisboa 2010)
Ramalho e Filomeno
Ferido d’asa
Tu quoque (2 Prémio Dr. João Isabel)
Lá vai o gajo!
Figuras sem estilo (3 Prémio Dr. Joao Isabel)
Jogo de azar
Sortilégio fatal (Menção Especial Prémio Glória Marreiros)
O Velho Défice, Rapaz, o Empréstimo, e o Burro PIBE
Por um sestércio
A freira e o Diabo
À lareira
Uma casa portuguesa
Amanhecer cinzento
Os dois pombos
As uvas do pessoal
El Chupacabras
Despedimento com justa causa
A pequena enguia, o Sapo Fanfarrão e a RÃ Cantadora
Tino, o cachorro perneta ( Menção Honrosa Prémio Irene Lisboa)
Bullying
Uma velha foto
Suave milagre (Título e frase final roubados ao Eca)
Acidente com arma
Pirulito, Rimas e a Associação de Moradores
Do Princípio da Incerteza


Falta-me, agora, adquirir os meus exemplares, um em papel, outro em formato Kindle. Para eventuais interessados, colocarei aqui os respectivos links.