(A noite estava escura e tempestuosa)
Chovia torrencialmente, o vento soprava forte, o frio era cortante naquela noite de Janeiro. Não havia então casas próximas da minha, situada no limite da vila, em zona tida por insegura, com tiroteios frequentes nas imediações.
Aí pela meia noite, tocam-me à campainha. Quem será, com um temporal destes? Outra vez algum bêbedo desnorteado?
Assomo à janela. Um táxi, de onde saem para a chuva duas mulheres desconhecidas. Engano, seguramente.
Se era ali que morava — eu! Sim.
Se podiam entrar e falar comigo — com o colega, somos do Júri Nacional de Exames...
Já eu corria a abrir a porta, que entrassem, que saíssem do temporal, Mas o que se passa?
Entram, encharcadas, a tremer com frio. E em frente à lareira, enquanto aqueciam, em vez de explicações, perguntas: Se já tinha começado a corrigir os exames que me tinham sido entregues nessa manhã, em Lisboa — a cem quilómetros de distância.
Surpreendido, disse que não. Só tencionava começar esse trabalho no dia seguinte. E não me passou despercebido o alívio que transpareceu nos seus rostos preocupados.
E onde tinha os exames? Ah, em gaveta da minha secretária, no escritório, no primeiro andar, fechados à chave. Se os podiam ver? Sim, claro, mas porquê?
Vamos lá, então.
Abri a gaveta onde estavam os envelopes com os exames. E elas: cá está! Colega, este envelope foi-lhe entregue por engano, vamos substitui-lo por este, e retirou um da pasta, faça favor de conferir se o número de provas está correcto.
Compreendi o que tinha sucedido: por engano, naquele tempo em que ainda não havia computadores, entre os vários envelopes com provas para eu corrigir, tinha-me sido entregue um da minha escola. E aquelas professoras correram até à província em demanda de um desconhecido, que nem sabiam onde morava, indiferentes ao temporal, a expensas próprias, para corrigirem o erro, que nem seria culpa delas, antes que pudesse chegar ao conhecimento público.
Era com este profissionalismo que trabalhávamos nos anos 80. E que continuámos a trabalhar nas décadas seguintes.
Ah, naquele ano, o da PGA — Prova Geral de Acesso (ao ensino superior) — corrigi mais de mil exames, nas quatro fases, sem qualquer redução ou dispensa das minhas funções docentes. Foi duro, não tive escolha, embora esse trabalho fosse pago. E o dinheirito deu-me muito jeito naqueles tempos de penúria.
Chovia torrencialmente, o vento soprava forte, o frio era cortante naquela noite de Janeiro. Não havia então casas próximas da minha, situada no limite da vila, em zona tida por insegura, com tiroteios frequentes nas imediações.
Aí pela meia noite, tocam-me à campainha. Quem será, com um temporal destes? Outra vez algum bêbedo desnorteado?
Assomo à janela. Um táxi, de onde saem para a chuva duas mulheres desconhecidas. Engano, seguramente.
Se era ali que morava — eu! Sim.
Se podiam entrar e falar comigo — com o colega, somos do Júri Nacional de Exames...
Já eu corria a abrir a porta, que entrassem, que saíssem do temporal, Mas o que se passa?
Entram, encharcadas, a tremer com frio. E em frente à lareira, enquanto aqueciam, em vez de explicações, perguntas: Se já tinha começado a corrigir os exames que me tinham sido entregues nessa manhã, em Lisboa — a cem quilómetros de distância.
Surpreendido, disse que não. Só tencionava começar esse trabalho no dia seguinte. E não me passou despercebido o alívio que transpareceu nos seus rostos preocupados.
E onde tinha os exames? Ah, em gaveta da minha secretária, no escritório, no primeiro andar, fechados à chave. Se os podiam ver? Sim, claro, mas porquê?
Vamos lá, então.
Abri a gaveta onde estavam os envelopes com os exames. E elas: cá está! Colega, este envelope foi-lhe entregue por engano, vamos substitui-lo por este, e retirou um da pasta, faça favor de conferir se o número de provas está correcto.
Compreendi o que tinha sucedido: por engano, naquele tempo em que ainda não havia computadores, entre os vários envelopes com provas para eu corrigir, tinha-me sido entregue um da minha escola. E aquelas professoras correram até à província em demanda de um desconhecido, que nem sabiam onde morava, indiferentes ao temporal, a expensas próprias, para corrigirem o erro, que nem seria culpa delas, antes que pudesse chegar ao conhecimento público.
Era com este profissionalismo que trabalhávamos nos anos 80. E que continuámos a trabalhar nas décadas seguintes.
Ah, naquele ano, o da PGA — Prova Geral de Acesso (ao ensino superior) — corrigi mais de mil exames, nas quatro fases, sem qualquer redução ou dispensa das minhas funções docentes. Foi duro, não tive escolha, embora esse trabalho fosse pago. E o dinheirito deu-me muito jeito naqueles tempos de penúria.