Manhã de segunda-feira, a arrumar a mala para a escola.
Mãe, a minha bata?
Ainda está molhada, sempre a chover, não enxugou, não a levas.
A professora bate-me!
Bate-te lá agora! Quando entrares, vais-lhe logo dizer que eu não ta mandei porque ainda está ensopada, com este tempo não enxugou.
Bom, que remédio! Pelo caminho, encontro colega, mais velho.
E ele: Tenho de voltar a casa, esqueci-me da bata!
Sempre fui fala-barato. Do género que fala sem pensar: Ora, não precisas, quando a professora te perguntar por ela dás uma desculpa qualquer!
Mas ele voltou atrás. Afinal, estava a meia dúzia de passos de casa.
Entramos. José Cipriano, a tua bata?
Minha senhora..., e repeti a desculpa encomendada pela minha mãe.
A professora, compreensiva, ia passar a outro menino quando o meu vizinho se levanta e fala acusador:
Minha senhora, eu voltei a casa para buscar a minha bata, e ele disse-me que não valia a pena, para dar uma desculpa qualquer à senhora professora quando me perguntasse por ela!
O olhar da jovem professora endureceu, o rosto crispou-se. Levantou-se, furiosa, já com a régua em riste: O quê? Vem já aqui!
A tremer, lavado em lágrimas, tentava inutilmente convencê-la de que tinha dito a verdade. A pesada régua bate impiedosa, dor lancinante, dor sofrida também por antecipação enquanto a próxima reguada não martiriza a minha mãozinha enfezada, que por entre gritos e contorções procura, em vão, fugir ao castigo!
Agora a outra mão, para se não ficar a rir desta!
Quem ria era o feliz denunciante, pelo meu sofrimento, pela sua colaboração no exercício da justiça sobre o sabichão preferido da professora.
Então como agora, a justiça era cega, e exercida com imparcialidade — sobre os pobres. Os meninos abastados, “ricos”, como o meu delator, nunca apanhavam, mesmo se burros que nem portas!