Fora do alcance da borrasca, formigas humanas buliam no fluorescente das vitrinas, andares e andares de prédios de escritórios cheios de homens e mulheres trabalhando, esquecidos do domingo, afinal não são católicos, esquecidos do santo repouso, afinal são nipónicos, nasceram para trabalhar, o espanto é só nosso, que nascemos para o descanso, abençoado seja o nosso respeito por domingos e dias santos, que a todos obriga menos aos donos dos hipermercados; esses, estão perdoados, quem se sacrifica pelos outros dá provas de amor ao próximo e seu será certamente o paraíso — na terra e, talvez, no Céu.
O limpa pára-brisas do táxi, incessante, tentava clarear a visão no cinzento do dia ou seria já noite, néones rasgavam a apatia e explodiam em hieróglifos certamente apelando a algum prazer ocidental engarrafado, talvez a Coca-Cola, talvez a Pepsi, se há nesta história publicidade gratuita que seja democraticamente distribuída, afinal a porcaria é a mesma.
O táxi percorria andares de auto-estradas sobrepostas, cotejando arranha-céus, sob a chuva incessante. No banco traseiro, três raparigas deliciavam-se, debitando disparates e rindo perdidamente. À frente, a Lúcia, sentia-se desta vez algo deslocada, não que as colegas fossem desconhecidas, na profissão toda a gente acaba por se conhecer, para isso servem os numerosos encontros oferecidos pelas marcas. E após uma viagem interminável, tantas horas de avião, várias aterragens e descolagens rumo ao mesmo destino, todas acabam íntimas, se acaso o não eram já à partida.
Destoando da euforia geral, a Lúcia apenas sorri, recordando como muito pouco tempo atrás ela própria se deliciaria partilhando dichotes e risadas; agora não se entusiasma, estará a ficar velha? Inútil perguntar às colegas, a resposta seria afirmativa. Di-lo-iam em tom de brincadeira, mas sem nenhuma hesitação: já passara dos trinta, um filho crescidote...
Perguntou em mau Inglês ao taxista pelo Fujiama. Ele não pareceu perceber a pergunta e continuou o seu trajecto, indiferente ao que se passava no interior do táxi. As colegas, chorando até às lágrimas, traduziam para vernáculo:
— ''Queres ir para a cama comigo esta noite?'' Anima-te, rapariga, ainda consegues arranjar melhor!
Não se deu por achada; riu em solidariedade e repetiu a pergunta, desta vez dirigida às amigas: — Acham que se avista daqui?
— O quê, a coisa do amarelo? São assim... e a Tânia, a mais jovem, mostrava a ponta do dedo mindinho.
Desistiu. Talvez nem saibam o que seja o Fujiama, tudo o que conhecem do País do Sol Nascente foi o que viram há anos no Império dos Sentidos, se não fosse a televisão não haveria cultura geral. Ler mais
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