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terça-feira, 28 de abril de 2009

Gripe suína

Esperemos que, desta vez, o progresso científico evite a repetição da hecatombe.

"A pneumónica dizimou a aldeia. Primeiro, chegou de mansinho em Junho de 1918, para desaparecer em Agosto sem ter provocado grandes estragos. O povo não chegou a alarmar-se: sempre houve gripe, sempre morreu gente, dela ou de outra coisa qualquer. Mas depois, no Outono, quando se julgava que a peste tinha já sumido, discretamente, tal como chegara, atacou com toda a força. Quase não houve família que não chorasse os seus mortos e tantos foram os funerais que, para o fim, já nem tocavam o sino a finados.
Dizia-se que a doença tinha sido causada pela mortandade nos campos ensanguentados da Flandres, de onde os sobreviventes do Corpo Expedicionário Português a terão trazido, juntamente com os pulmões destruídos pelos gases — e com as memórias do inferno que foi enfrentar o terrível exército germânico.
Muitos ficaram lá para sempre, em terra alheia e numa guerra que não era a sua, talvez apodrecendo sem sepultura e espalhando os vapores pestilentos da decomposição dos seus corpos, que envenenam terra e ar e criam doenças como a gripe espanhola. Para os recordar, colocarão no frontispício da igreja, que será construída muito mais tarde, sobre a capela de São Vicente, onde agora se despedem dos entes queridos que a peste levou, uma lápide de ardósia, com catorze nomes gravados, começando no major José Rodrigues Brusco e acabando no soldado António Ezequiel, porque até na morte há hierarquias.
De nada valeram preces e fé, que a pneumónica levou até dois dos pastorinhos de Fátima; de nada adiantaram os remédios, caseiros ou da botica: quem tinha de morrer morreu, mas, fazendo jus ao dito entre mortos e feridos alguém há-de escapar, a Joaquina Guiomar sobreviveu, atribuindo o milagre ao azeite que bebia como se fosse remédio, às colheradas, tantas quantas conseguisse engolir sem vomitar. Duvidamos hoje da eficácia do medicamento, mas, fosse dele, da crença na sua eficácia ou, simplesmente, dos genes e da sorte, o que é certo é que a sua família foi uma das raras que a doença poupou — mas nenhum deles conseguiria jamais provar comida temperada com azeite, nem, muito mais tarde, com óleo, quando nos anos sessenta o seu consumo se generalizou. (...)"


Entre Cós e Alpedriz, Cap. I

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