Número total de visualizações de páginas
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
domingo, 16 de fevereiro de 2014
A arte de bem partir camarões
Naquele final de tarde, espreitei vários restaurantes de praia. Um, com um grupo na esplanada, deu-me mais confiança.
-- Jantar?, pergunta o empregado. E eu, ainda duvidoso: -- Para já, queremos apenas petiscar. E pedimos amêijoas, -- Não há, pode ser berbigão?, uns camarões, cervejas.
Provei um. Outro. A mesma coisa. Estragado. Chamei o empregado, pedi a conta. E ele, ao fazê-la: -- Então não comem o camarão?
Descaí-me: -- Está podre...
O que fui dizer! Foi à cozinha, veio de lá mulher brava,
-- Olhe, se o levasse para aqueles -- e apontava para o grupo da esplanada -- aqueles comiam tudo! Você, e vincava assanhada a forma de tratamento, é que não o sabe partir!
E eu, com a calma possível, a querer fugir do escândalo: -- Minha senhora, só quero pagar e ir embora...
Qual quê! Primeiro tive de suportar lição e enxovalho da fera, que despedaçava camarão após camarão, a ensinar o você a parti-lo para não saber a podre...
sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
Intuição e ciência
Segundo O Público,
Uma equipa de cientistas britânicos mostrou que as zonas que se activam no cérebro de um matemático quando ele acha que uma fórmula é bela são as mesmas que se activam quando qualquer um de nós acha belos um quadro ou uma peça musical.
Imediatamente vi na notícia a confirmação da genial intuição de Álvaro de Campos, que quase um século antes proclamou que o binómio de Newton é tão belo como a Vénus de Milo.
terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
PREC
Atente-se nestas ruínas: foi uma fábrica que empregou centenas e centenas de operários e
de operárias. Conhecia-a em 1976, pouco depois de ter entrado para o ensino.
Havia então na minha escola umas actividades revolucionárias obrigatórias à quarta-feira à tarde,
espécie de formação cívica, que impunham a visita às unidades fabris da região,
conduzindo, a pé bem entendido, uma meia dúzia de turmas. E tais actividades estavam atribuídas aos professores maçaricos. Como eu.
Lembro-me
do cheiro nauseabundo dos curtumes, do riso trocista das
operárias ao ver-nos quase a vomitar, quase a desmaiar com o pivete, elas que, facão na mão, limpavam as peles de sebos repugnantes e gorduras putrefactas indiferentes ao mau cheiro.
Pouco
tempo antes, os trabalhadores, reunidos em plenário, tinham-se apropriado da
fábrica. O patrão suicidou-se. Para a gestão convidaram colega meu, escolhido, não pelas suas qualificações como gestor, que não tinha (suponho que estava matriculado em História), mas por... ter sido orador num comício promovido pela secção
local da Intersindical, a antepassada da CGTP.
Em
breve a fábrica faliu e fechou. As suas ruínas são também as do próprio
PREC -- o Processo Revolucionário em Curso, que agonizava em 1976.
Tudo cansa.
Tudo cansa.
domingo, 9 de fevereiro de 2014
Em noite de temporal
Sou do tempo em que numa noite de temporal como esta se pensava, antes de mais, naqueles que arriscavam a vida no mar. Depois nos pastores, expostos às inclemências do tempo, a proteger os rebanhos. Em todos aqueles que não tinham um tecto que os abrigasse, agasalho contra a chuva, o vento, o frio, prato de sopa quente e côdea de pão para confortar os estômagos.
Em que nós, pobres, nos sentíamos privilegiados por termos família, casa, lareira. Ouvidas as histórias da avó da Luz, mais ou menos a esta hora, eu corria sonolento para a cama antes que o vento que entrava pelas friestas me arrefecesse, enroscava-me sobre cobertores e mantas, o colchão de camisas de milho afundava, e logo adormecia embalado pelo vendaval e pela chuva.
Como agora vou fazer.
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014
Aniversário
3 de Fevereiro é o aniversário da minha mulher. E o da a noite em que começámos a namorar.
Foi em 1973, no Big Ben, um café de estudantes.
Indiferentes à densa fumaça do tabaco, beijávamo-nos, esquecidos dos outros, que talvez nos olhassem espantados, sem cuidar dos riscos do presente, das incertezas do futuro: eu era militante anti-colonial, e nessa noite tinha de fazer dez pinturas comemorando o 4 de Fevereiro, com o risco de ser preso, abatido, que a polícia não brincava em serviço nem fora dele. Ou ter de passar à clandestinidade por denúncia, como pouco depois aconteceu.
Fui servente de pedreiro, operário de plásticos. Na Marinha Grande, dormíamos no chão, sem mobília. Fui chamado para a tropa aos 20 anos. Saneado após o 25 de Novembro. Pouco depois, professor. Conhecemos o desemprego simultâneo, numa época em que não havia subsídio de desemprego. Até esparguete comi -- e desde a tropa que o não podia ver à frente. Outra vez professor. O meu ordenado, então o único, não chegava para a renda da casa e a comida. Valeu-nos a família, com pequenos empréstimos que todos os meses pagávamos... e voltávamos a pedir. E as batatas que nos davam, os ovos, o possível. Mário Soares cortou-me parte do subsídio de Natal, e fiquei sem dinheiro para comprar sapatos que substituíssem os únicos que tinha, com as solas rotas, um horror em tempo de chuva. Apiedado, ao vê-los de biqueira aberta, um colega mais velho arranjou-me explicandos. Por agasalho invernal, um casaco de malha, tricotado pela minha mulher.
Bien sûr, nous eûmes des orages
Passaram os anos, criámos as filhas. As dificuldades enrijaram-nos. Aproximaram-nos quando nos afastaram.
Há datas que se não esquecem.
Vingt ans d´amour, c´est l´amour folE outros vinte. E mais um.
Há datas que se não esquecem.
Subscrever:
Mensagens (Atom)