Ainda eu era professor quando uma aluna de 12 ano, a protestar contra preconceitos, me deu como exemplo a palavra "caralho", que, dizia ela, se reportava a um dos mastros das caravelas, pelo que mandar alguém para o dito cujo significava, no tempo dos Descobrimentos, mandar subir ao mastro. Sempre valorizei, e muito, o facto de os meus alunos serem capazes de pensar pela própria cabeça e de defenderem os seus pontos de vista com argumentação sólida e nunca me agastaram assuntos ou palavrões, contanto que fossem discutidos com seriedade, como era o caso.
Porém, duvidei da etimologia e prometi verificar. Porque, como lhe disse, eu já tinha encontrado a palavra, ou o palavrão, em textos muito mais antigos, por exemplo nas Cantigas de Escarnho e Maldizer e lembrava-me até, mas não citei, de uma de Afonso X, rei de Leão e Castela, que exaltava o peninsular, "cuja grossura sua" as damas preferiam.
Assim fiz. Mas a falsa etimologia do palavrão parece ter-se tornado "mito urbano", estribado na crença actual de que toda a informação encontrada na internet é igualmente válida, agravada com a falta de exigência quanto ao rigor das fontes.
Na falta de um dicionário etimológico credível, o Professor Lindley Cintra, de quem tive o privilégio de ter sido aluno a Literatura portuguesa III (Teóricas) e Linguística Românica, recomendava o Dicionário da Porto Editora. Continuo fiel aos ensinamentos do Mestre por nada de novo ter surgido de então para cá em termos de dicionários etimológicos.
E é esta a a tipologia proposta no referido dicionário: "Do latim *caraculu-, «pequena estaca»"
Aqui vai portanto a correcção, embora convencido da inutilidade. A palavra é, repito, muito anterior aos Descobrimentos, o que não invalida que nessa época a possam ter empregado para designar mastro de caravela ou nau.
2 comentários:
Nada invalida, claro, mas há melhores opiniões, como a de Lindley e outros - sobre a mesma pequena estaca.
Perdoa-se à aluna o papaguear de lugares comuns, por ter 12 anos. Como aquela outra da bica, por café, serem as iniciais que no Café Nicola se usavam numa tabuleta B.eba I.sto C.om A.çúcar. Deve ser deve. A essa prefiro a história ouvida no Couço numa colectividade: Eram as inicias de B.ebe (u)I.squi C. A.çúcar.
Mas estas histórias são graves.Uns imbecis do norte fizeram um dicionário de calão traduzido para inglês onde dão livre curso a esse tipo de estorietas sem base etimológica. E passaram em muitos canais televisivos.
Em tom boçal, na TVI, acompanhados por uma apresentadora igualmente alarve, riam muito, enquanto enganavam os espectadores dizendo que "arriar a giga" é eufemismo de obrar, defecar. Ora, "arriar a giga" é insultar, desabafar. No fundo, o que nos faz a nós quem tal lixo vende e põe a correr.
Olá. A aluna era maior de idade, estava no 12 ano. E o meu post apenas pretende desmentir a versão corrente segundo a qual o palavrão teve origem nos Descobrimentos, uma vez que é, pelo menos, cento e cinquenta anos mais antigo. Não conheço arriar a giga, pelo que me não pronuncio.
Muito obrigado pela visita e pelo comentário.
JCC
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