Aí pelos meus doze anos, aldeão a estudar na vila, fui convidado por colega mais velho para ir ao então café da moda em Alcobaça, o café Portugal. Comecei por recusar, sem confessar que, para além da escassez de dinheiro, tinha vergonha: nunca tinha entrado em café, e logo nesse tão chique?
Mas a companhia e a curiosidade venceram. Eis-nos sentados, o empregado de bandeja na mão a perguntar o que é que os senhores vão tomar?, e eu sem saber o que pedir que pudesse pagar e não revelasse a minha ignorância rústica do que se consumia em tais estabelecimentos; o meu colega pediu uma bica e eu imitei-o, convencido de que seria algo semelhante a um copo de laranjada, na época a minha bebida de sonho, que apenas bebia em casamentos e baptizados.
Logo que o empregado se afastou, bichanei, preocupado: quanto é que custa? Dez tostões. Fiquei mais descansado, tinha mais do que isso na algibeira, certamente para a sopa do almoço na cantina da escola.
E vieram as bicas. Grande desilusão! Em vez de copo de doce laranjada, um poucochinho de café negro como carvão, que quase não cobria o fundo da chávena! Tão azedo, que nem o pacotinho de açúcar SEMPA logrou adoçar. Devo ter-me queixado, ou a minha cara ao provar a bebida terá revelado ao meu companheiro que o único café que conhecia era a cevada do pequeno-almoço.
Não gostas? É a melhor bica de Alcobaça!
E eu a tentar disfarçar a minha saloíce: é pouco açúcar …
Ele pegou no pacote vazio e repetiu a anedota do labrego que chamou o empregado e protestou pela escassez de açúcar, descodificando a marca SEMPA: Só Esta Merda Para Adoçar?
O empregado retorquiu, lendo ao contrário: Adoça Pouco Mas É Suficiente!
Não foi, portanto, paixão imediata o meu gosto pela “bica”. E não me recordo de ter voltado ao café enquanto estudei em Alcobaça.
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