Nos anos 60, em Leiria, abundavam as criadas de servir. Em restaurantes, tascos, pequenos negócios, casas de hóspedes de estudantes, nas casas particulares, elas, para além de assegurarem todo o serviço que as patroas não podiam ou não queriam fazer, davam-lhes basto assunto de conversa: não sabiam fazer nada, tinham de as ensinar e manter debaixo de olho não fossem elas meter-se debaixo do magala que rondava a porta, do patrão, até dos filhos adolescentes…
Iam-nas buscar às aldeias vizinhas, crianças ainda, acabada a quarta classe ou antes até, ordenado bem regateado, coisa de nove ou dez escudos por mês, cinco cêntimos de agora, pago aos pais, que naquela época de miséria assim se livravam de boca a comer — o que fazer aos filhos e, sobretudo, às filhas naquele tempo em que sem contraceptivos abundavam tanto quanto o pão escasseava?
Quando saíam juntas, nas idas diárias à praça, ao talho, à mercearia, as senhoras para exibir o seu estatuto de patroas, além de escolher e pagar, as criadas para carregar, os olhares dos transeuntes, as atenções dos vendedores, desviavam-se invariavelmente das matronas rechonchudas, pesadas no aspecto e no trajar, para as criadas, em quem qualquer trapo assentava bem e realçava a graciosidade juvenil.
Então, a revolta interior das senhoras evidenciava-se nos modos ríspidos, nas palavras azedas que sem outro motivo dirigiam às serviçais, agravava-se ao vê-las radiosas, como se a servidão doméstica se evaporasse…
Importava pô-las na linha, marcar em público a diferença social, obrigá-las a sair com o avental de serviço.
E perante as recusas, bem regadas com lágrimas de vergonha:— Ai pões o avental, pões! Era o que mais faltava, ainda pensam que a criada sou eu e tu a patroa!