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segunda-feira, 22 de abril de 2024

O Macaco Nu

 Estávamos em 1967ou 1968. A biblioteca da minha escola funcionava muito bem, como já aqui contei. Com um sistema de multas por atrasos, quotas, rifas, e outras iniciativas, a professora responsável, que desempenhava o cargo sem quaisquer regalias, adquiria novos livros acolhendo bem os pedidos dos leitores viciados, entre os quais me incluía.

Ora na época fazia furor O Macaco Nu, de Desmond Morris, e eu, com a curiosidade e a irreverência da adolescência, fui pedir-lhe que o adquirisse para a biblioteca.

Recusou: achava muito bem que eu lesse tal obra, e até se prontificava a emprestar-me o seu exemplar logo que ela e o marido terminassem a leitura; mas não se atrevia a comprá-lo para a biblioteca a medo do padre conservador (nem todos o eram) V. da R. 

— Só com autorização do senhor director. Porque é que lhe não pedes?

Só conhecia o director de o ver nos intervalos à chapada aos alunos que corriam loucamente pelos corredores. E de ouvir falar dos seus métodos disciplinares, mais amigo de castigar à bofetada do que com suspensões. Mas não ia dar parte de fraco. E lá fui bater-lhe à porta.

Foi muito cordial, nada autoritário com fedelho de 14 anos  que pedia obra quase censurada para a biblioteca. Achava muito bem que eu o quisesse ler, Mas os teus colegas, não sei! Nem todos têm a maturidade necessária! Olha, até te posso emprestar o meu logo que acabe de o ler! Mas para a biblioteca, não, não quero brigas com o  padre. V.  Da R.  

Nessa tarde, ao namorar a montra da papelaria, não resisti, e com os meus escassos escudos, comprei-o, li-o até de madrugada, fascinado com o conteúdo, antecipando envaidecido o estatuto que a leitura de tal obra me daria nas discussões com os colegas e com os professores.

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