Contava-se na minha meninice que um velho da terra, outrora criança— coisa estranha! — tinha sido tirado da escola primária pelo pai na segunda ou terceira classe para trabalhar no campo consigo, como então se usava.
O calor de Junho logo pela manhã, a enxada de bicos maior do que ele, quase tão pesada, a terra seca, gretada pelo Sol, desanimariam qualquer um, quanto mais a ele, relezito, mal alimentado, contrariado, não que gostasse da escola e dos maus tratos diários do mestre, mas agora até ela se lhe afigurava preferível ao tormento em que se via.
Eis que o pai, barril de água-pé aos queixos, o vê afastar-se sorrateiro, pára na estrema junto a pequeno canavial , nas mãos não a famigerada enxada, mas o canivete e uma cana.
Zé, vem trabalhar!, manda.
Não posso, pai, estou a fazer uma flauta!
Algum tempo depois: Zé, vem cavar comigo!
Não posso, pai! Estou a aprender a tocar flauta!
Passou preguiçoso o tempo, com sempre sucede quando se cava. Mas passou, e chegou o meio-dia solar e com ele a hora do almoço, a que então se chamava jantar.
Tocado pela negra fome, endémica, ancestral, o rapaz chega-se, espera em vão o seu quinhão:
Ó pai, não me dá comer?
Toca flauta, Zé! Toca flauta, Zé!