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segunda-feira, 11 de novembro de 2024

A flauta

 Contava-se na minha meninice que um velho da terra, outrora criança— coisa estranha! — tinha sido tirado da escola primária pelo pai na segunda ou terceira classe  para trabalhar no campo consigo, como então se usava.

O calor de Junho logo pela manhã, a enxada de bicos maior do que ele, quase tão pesada, a terra seca, gretada pelo Sol,  desanimariam qualquer um, quanto mais a ele, relezito, mal alimentado, contrariado, não que gostasse da escola e dos maus tratos diários do mestre, mas agora até ela se lhe afigurava preferível ao tormento em que se via.

Eis que o pai, barril de água-pé aos queixos, o vê afastar-se sorrateiro, pára na estrema junto a pequeno canavial , nas mãos não a famigerada enxada, mas o canivete e uma cana.

Zé, vem trabalhar!, manda.

Não posso, pai, estou a fazer uma flauta!

Algum tempo depois: Zé, vem cavar comigo!

Não posso, pai! Estou a aprender a tocar flauta!

Passou preguiçoso o tempo, com sempre sucede quando se cava. Mas passou, e chegou o meio-dia solar e com ele a hora do almoço, a que então se chamava jantar.

Tocado pela negra fome, endémica, ancestral, o rapaz chega-se, espera em vão o seu quinhão:

Ó pai, não me dá comer?

Toca flauta, Zé! Toca flauta, Zé!

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