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segunda-feira, 26 de abril de 2010

Do ofício da escrita

Conselhos de Rentes de Carvalho para todos aqueles a quem vicia, ou, pelo menos, seduz a arte da escrita. Imperdível.

domingo, 25 de abril de 2010

25 de Abril

Depois de um fim-de-semana agrícola de trabalho duro -- não deve ser por minha causa que o país caminha para a falência --, notícias e blogues lembram-me de que hoje é dia santo. Ora como não quero que me acusem de ser da reacção, como então se passou a dizer, apresento justificação para a não-comemoração.
O 25 de Abril apanhou-me a dormir. Era uma da tarde e acordou-me a minha mulher, tínhamos casado um mês antes, para me dizer que havia um golpe de estado na capital. "Pois sim, deixa-me  mas é dormir", devo ter respondido, e voltei a adormecer, não no fofo do colchão, mas sobre o chão, que cama não tínhamos. Estava no turno da meia noite às oito e precisava desesperadamente de dormir. Também não tínhamos televisão nem rádio. Nem mobília nenhuma, exceptuando um mocho comprado no mercado.
Vivia na Marinha Grande e trabalhava (operário de plásticos) em Leiria. Motivos: estão em Do lacrau e da sua picada. Chego à cidade cedo, procuro sinais de agitação, nada. Na Praça Rodrigues Lobo encontro o Luís Marques, também ele na clandestinidade, que não via há coisa de um ano. A notícia do golpe de estado trouxera-o até à claridade. Tal como eu, não acreditava que viessem aí grandes mudanças: "Coisas do Spínola e dos spinolistas", terá dito, e eu acreditei. E fui trabalhar, porque o patrão também não tinha ouvido falar em revolução.
Percebe-se que o 25 nada me diga. E juntar-me a múmias de sorriso enfaixado, que só o cravo vermelho não deixa desabar, ouvir e balbuciar lugares-comuns e tretas -- estão-me a ver lá, não estão? Por isso, em vez da gaivota que voava, do povo que está com o MFA e todas essas pirosices musicais, aqui fica uma canção a sério, em que  "les amants d'un jour" pedem "un toit pour s'aimer." (Letra aqui) Uma perfeição.

sábado, 24 de abril de 2010

Do desgoverno do reino

Saramago, discípulo de Vieira (negrito meu):
Dizem que o reino anda mal governado, que nele está de menos a justiça, e não reparam que ela está como deve estar, com sua venda nos olhos, sua balança e sua espada, que mais queríamos nós, era o que faltava, sermos os tecelões da faixa, os aferidores dos pesos e os alfagemes do cutelo, constantemente remendando os buracos, restituindo as quebras, amolando os fios, e enfim perguntando ao justiçado se vai contente com a justiça que se lhe faz, ganhado ou perdido o pleito. Dos julgamentos do Santo Ofício não se fala aqui, que esse tem bem abertos os olhos, em vez de balança um ramo de oliveira, e uma espada afiada onde a outra é romba e com bocas. Há quem julgue que o raminho é oferta de paz, quando está muito patente que se trata do primeiro graveto da futura pilha de lenha, ou te corto, ou te queimo, por isso é que, havendo que faltar à lei, mais vale apunhalar a mulher, por suspeita de infidelidade, que não honrar os fiéis defuntos, a questão é ter padrinhos que desculpem o homicídio e mil cruzados para pôr na balança, nem é para outra coisa que a justiça a leva na mão. Castiguem-se lá os negros e os vilões para que não se perca o valor do exemplo, mas honre-se a gente de bem e de bens, não lhe exigindo que pague as dívidas contraídas, que renuncie à vingança, que emende o ódio, e, correndo os pleitos, por não se poderem evitar de todo, venham a rabulice, a trapaça, a apelação, a praxe, os ambages, para que vença tarde quem por justa justiça deveria vencer cedo, para que tarde perca quem deveria perder logo. É que, entretanto, vão-se mungindo as tetas do bom leite que é o dinheiro, requeijão precioso, supremo queijo, manjar de meirinho e solicitador, de advogado e inquiridor, de testemunha e julgador, se falta algum é porque o esqueceu o padre António Vieira e agora não lembra.
José Saramago, Memorial do Convento

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Como fazer um santo

Ou a perfeição na escrita. Assim escreve o Mestre (negrito meu):
Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão, e começa a formar um homem, - primeiro, membro a membro, e depois feição por feição, até à mais miúda; ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos; aqui desprega, ali arruga, acolá recama; e fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar.

Padre António Vieira, Sermão do Espírito Santo

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Lapidar

A não perder. Carlos Fiolhais, no De Rerum Natura, o mais interessante dos blogues que conheço:
"a matemática é a maneira de expressar verdades sobre o mundo físico da melhor maneira, da maneira mais simples e elegante." Clareza, exactidão, domínio da matéria tratada e, sobretudo, domínio da palavra. Como os excertos seguintes bem evidenciam:
Por último, a questão que aqui foi posta: precisamos em Portugal da matemática? O facto de se colocar a pergunta dá logo a informação sobre o estado do país. Um país que está bem não coloca essa pergunta. Será que nós somos concretos? Será que nós somos lógicos e sistemáticos? Se a matemática parte do concreto e é uma procura lógica e sistemática de conhecimento, será que nós usamos metodologias desse tipo nas nossas vidas? E a resposta é que, na minha opinião, infelizmente não, não o fazemos na medida suficiente. Bastará dar um exemplo. A noção portuguesa de tempo é a noção menos concreta possível. Quando uma pessoa diz, “amanhã encontramo-nos”, este amanhã não quer dizer rigorosamente nada. Com um americano, se eu disser amanhã encontramo-nos, tenho de acrescentar o local e a hora, o espaço e o tempo. Planeio um evento num dado ponto do espaço e num dado instante de tempo. . Aqui não, amanhã encontrar-nos-emos, se calhar, por aí... Há uma esperança vaga de eu amanhã me cruzar com uma dada pessoa. Por sua vez, a procura lógica e sistemática devia ser também uma constante nas nossas vidas e não é. Será que nós planeamos as coisas? Acho que somos mais conhecidos pelo improviso, um improviso que, em geral, tem más consequências. Se há uma festa que temos de organizar, nós dizemos, “logo se vê”, uma expressão muito portuguesa. E vamos dizendo isto até à véspera... Depois, na véspera, começa a chover e dizemos: “ainda bem que não preparámos nada, está a chover”. Noutro país mais desenvolvido, como por exemplo na Alemanha, ter-se-ia o plano A e o plano B. O plano A com chuva e o plano B sem chuva, contemplando todas as hipóteses. Esta é a maneira racional, lógica e sistemática, de operar o mundo. (...)
Termino dizendo que vivemos, de facto, numa altura difícil nas nossas escolas, numa altura em que se pensa que um professor pode ser substituído por um computador Magalhães. Mas este debate aqui deu-nos algum conforto, com base nas experiências dos outros países, de países onde não se põe a pergunta sobre a necessidade da matemática. Havemos de ser como eles. Mas, para isso, temos de interiorizar o valor do raciocínio. Essa é a grande riqueza da matemática: pensar bem. A matemática é uma lição permanente para a nossa vida.

domingo, 18 de abril de 2010

Cenas da vida doméstica

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Cenas da vida doméstica

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Cenas da vida doméstica

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Quem sabe sabe

"De há muito que a literatura não me interessa para nada. Em especial a portuguesa. Está tudo escrito e quanto ao rescrito, lamento mas é mau. Quase tudo muito bera. » Fátima Rolo Duarte, fworld

Que delícia este tom soberbamente assertivo, a certeza de que o seu cagar não errará jamais o chão! E há quem delire com tiradas deste gabarito! Sim, a senhora, que não tenho o privilégio de conhecer de lado nenhum, o que não surpreende, é seguramente a única que escapa às suas próprias diatribes.

(NOTA: um leitor deste blogue, em comentário já publicado, diz-me para visitar o blogue da autora, que verificarei que me engano. Já o fiz. De facto, há uma frase não transcrita na citação que copiei do Portugal do Pequeninos em que FRD simula modéstia:  "Eu incluída. Mas comigo posso eu bem." Fica a correcção. Quanto ao tom assertivo, à arrogância intelectual que denota, nada a alterar -- aguardo outros comentários que me persuadam de que estou errado.)

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Como água que corre

Assim quero a minha escrita. Cristalina, desimpedida de escolhos, tão natural que a julguem espontânea, tão simples que a creiam fácil, tão livre que a digam anárquica. E para o conseguir trabalho duro, por camadas,  aplainando primeiro, polindo depois, envernizando por fim, olhos postos nos santos mestres Vieira,  Garrett, Camilo, Eça, Saramago, de outros mais novos, ainda não canonizados, que eu já beatifico: Mário de Carvalho, Velho da Costa, Mia Couto... Dizem-me que deveria pensar nos gostos dos júris dos concursos, do público actual, dos críticos... Mas eu, Carneiro de signo e  de temperamento, persisto: o sucesso, que não desdenharia, não é o que me move; quero escrever pelo menos uma página à altura dos meus mestres... Se me ignoram, se alguns críticos, se alguns escritores, nem sequer se dignam responder a mail com oferta de romance, pior para eles. E, se a  minha obra (desculpem a imodéstia: já tenho umas coisitas, espero produzir mais e melhor) tiver mérito, ela acabará por se impor, como a verdade, que vem sempre à tona. 

Na foto: texto em que trabalhei esta manhã. Quantas revisões não sofrerá ainda, até que, completamente irreconhecível, possa chegar ao eventual leitor? Chamar-me-iam mentiroso se fizesse uma estimativa -- algo como centenas. Se este trabalho fosse pago à hora, estaria rico; se fosse sequer pago, seria muito bom...

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Vaidades

Recebi, com surpresa porque já me tinha esquecido da oferta, simpático mail do escritor José Cavalheiro sobre Do Lacrau e da sua Picada, que divulgo depois de lhe ter pedido autorização para tal:



Caro José Catarino

Foi com prazer que li o seu livro.

Excelente trabalho pelo que lhe dou os meus parabéns.

Simples, com vários adágios onde é transcrita a vida quotidiana de Portugal entre anos 70, 80, 90 e actual na província "civilizada".

Quem assim escreve, iria por certo gostar de ler "Luuanda" de Luandino Vieira.

As perdizes como batedouras da GNR em frente do carro de político;

Os homens que morrem meninos...
Este é um trabalho que não dispenso da minha biblioteca até porque não se vê por aí de rodízio.

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Abraço

José

Por coincidência, uma colega a quem também ofereci o referido romance elogiou-o com entusiasmo, citando frases de que eu já mal me recordava. Que me sejam perdoadas estas gabarolices; reproduzo-as porque confirmam o meu julgamento sobre O Lacrau, o meu primeiro romance: tem fragilidades, mas não me envergonha nem eu me envergonho de o ter publicado. Merecia melhor sorte, outra visibilidade.

Hoje é Dia Mundial de...

...Uma merda qualquer. É no que dá a banalização. E os lobbies. Nem de propósito: enquanto registo a minha irritação malcriada, escuto desabafo que me abstenho de identificar: -- Tenho de organizar o Dia Mundial do Bullying. Tanto trabalho, tão em cima da hora!
Para quando o Dia Mundial da Puta Que Os Pariu?

terça-feira, 13 de abril de 2010

Uma boa notícia

Finalmente, neste annus horribilis, com vários feriados perdidos (por exemplo, o 25 de Abril a um domingo e o 1 de Maio a um sábado), uma grande decisão do governo! O papa não pode vir cá mais vezes? E é injusto que a tolerância de ponto de 11 e 14 de Maio se aplique apenas aos funcionários públicos de Lisboa (tarde de 11) e Porto (manhã de 14). Ou há moralidade ou comem todos! Eu quero ver Sua Santidade (bem longe de mim)!

Papa/Portugal: Governo concede tolerância de ponto dia 13 de maio em todo o país

13 de Abril de 2010, 19:23
Lisboa, 13 abr (Lusa) - O Governo decidiu dar tolerância de ponto a todos os trabalhadores da Administração Pública no dia 13 de maio por ocasião da presença do Papa Bento XVI em Portugal, disse hoje à Lusa fonte oficial do executivo.
A mesma fonte adiantou à agência Lusa que será também concedida tolerância de ponto aos funcionários públicos em Lisboa, na parte da tarde do dia 11 de maio, assim como no Porto, na parte da manhã, no dia 14 de maio.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Andorinhas

Todas as tardes de Verão se assemelham, as de hoje como as de há cinquenta anos, como, provavelmente, as de todos os tempos — talvez o entardecer seja apenas um, repetido ano após ano, milénio após milénio, como sem cessar parecem repetir-se vidas e amores, sejam ou não inventados, e o que fica, se fica, não é mais do que efémera história, bem ou mal contada.
Nos fios eléctricos, andorinhas chilreiam como camponesas regressadas da lida, com a alegria que dá a consciência de que o pão comido foi ganho com o suor do rosto. Além, no quintal de uma das casas em ruínas, um melro, macho, como se vê pelo bico amarelo e peito emproado, saltita afoito — longe vai o tempo em que os caçávamos impiedosamente e eles, ariscos, se isolavam longe dos humanos. Da torre da igreja chegam as Ave-Marias e tudo — o sereno do entardecer, o toque triste do sino, a cantoria das andorinhas, o assobiar mavioso do melro — me faz sentir que já vivi este momento vezes sem conta.
Nuvens vogam à deriva, preguiçosamente, quais patos pachorrentos empurrados pelo vento, e eu próprio, contagiado pela indolência do final do dia, mais propenso à divagação, dou voltas à imaginação para saber como deve prosseguir a narração. É que nisto de contar não basta registar a realidade, alinhar os eventos, cingir-se à verdade: como ensina mestre Vieira, “hão-de cair as coisas e hão-de nascer; tão naturais que vão caindo, tão próprias que venham nascendo.”
Ora o problema que se me põe é este: como contar naturalmente o que se segue, certo de que eu próprio duvidaria da sua veracidade se não o tivesse visto ou, como agora se ouve dizer, “ouvisto”, com estes que a terra há-de comer, bem tarde, espero?
(Inédito meu)

sábado, 10 de abril de 2010

Sábado (de tarde)

A amassar o pão.



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Sábado (de manhã)

Perna de borrego assada no forno.


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sexta-feira, 9 de abril de 2010

Cão de trabalho

Bem português, como o dono. A culpa é do calor, da luz que enche os olhos, da beleza de cada recanto da nossa terra. Alheado como o dono da pedofilia clerical, de submarinos, de engenheiros-arquitectos. Claramente descrente do potencial salvador de um qualquer coelho.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Os padres e eu

Nunca confundi sotaina com santidade e cresci em aldeia que desprezava os "homens de saias". Sinto pelos padres o mesmo que Garrett, Camilo, Junqueiro, Eça. Ou o meu pai. Aborrece-me o seu ar pedante, convencido, não raro amaricado. O seu farisaísmo (Faz o que eu digo, não faças o que eu faço, troça deles o povo). A certeza de que crucificariam Jesus se voltasse à Terra.
Posto isto: enjoam-me as notícias sobre a pedofilia na igreja, as desculpas, as exigências de resignação do papa. Há padres pedófilos, como os há terroristas ou traficantes de armas. Como os haverá entre os clérigos de outras confissões, de outras religiões. Os santos são mais raros que os cometas e o hábito não faz o monge. É tudo.

Mas os padres fazem-me falta!

"Assim rogada, a comadre contava, baixando a voz e olhando em volta como se ouvidos indiscretos a pudessem ouvir ou olhos desconfiados a pudessem ver a falar da vida alheia. Fazia-o porque história segredada tem sabor a rumor e o povo adora murmúrios e boatos. — Pois, comadre, até corre por aí que anda metida com o padre Vergílio!
— Não me diga! Não posso crer... Logo com o senhor prior!
Pois era para que a comadre visse como são as coisas. Tempos atrás falara com a Teodora da parte do Ildefonso, um rapaz sério. Recebera a proposta com desdém: que ele era feio, que isto, que aquilo, que não queria nenhum cavador de enxada para passar a vida arrastada, agarrada à terra. Tanto escolheu, que deu nisto!
A mãe da Joaquina estava mais interessada no romance: — Logo com o padre! Que eu nunca dei muito por ele, sempre o achei herege, com essa conversa de que Deus está no Céu, na Terra e em toda a parte, até no curral da minha burra!
O marido, pouco apreciador de homens de saias, como gostava de frisar, meteu-se na bisbilhotice: o pároco era uma besta, profanando um local sagrado como é a igreja com ditos parvos em linguagem imprópria, como esse da burra. Sim, que mesmo os ateus, mesmo os pedreiros-livres, quando entram numa igreja para um funeral, para um casamento, comportam-se com compostura. Então como admitir ao vigário de Cristo...
As mulheres não o ouviam. Não era a moralidade, antes a imoralidade que lhes interessava. Deixaram a continuação da má-língua para mais tarde, sem homens por perto a atrapalhar — ainda por cima, como é sabido, eles têm uma língua de trapo e então se bebem um copo a mais..."

Entre Cós e Alpedriz

(Foto: igreja de Alpedriz)

Batatas serôdias

O tempo obrigou a plantá-las com dois meses de atraso. E cada um diverte-se como pode ou como quer.
Na Salgueira, com este tempo, estas vistas, este ar, não invejo nenhum Mexia. A erva que se vê à direita em breve dará lugar a feijão. Catarino, como eu.

domingo, 4 de abril de 2010

Coisas que não esquecem

E que se recordam com os netos. Quarenta e cinco anos depois, volto a jogar o pião. Com o Vergílio e o Jorge. Fotos aqui.

Nós e o desporto

Francisco José Viegas traz números do Eurobarómetro: nós, portugueses, somos dos europeus que menos desporto fazem -- pior do que nós, os gregos, quem diria. 
Poder-se-ia relacionar esta realidade com a nossa preguiça, inércia, comodismo, chico-esperteza, com jantares labregos em que come à antiga romana, com o baixíssimo nível cultural do país. Tudo isto será  verdade. Mas não a VERDADE. O desporto nasceu na Inglaterra e durante muito tempo foi apanágio de elites aristocráticas e burguesas que se podiam dar ao luxo de se esforçar sem proveito material enquanto os camponeses, os operários, esgotados por jornadas de trabalho que alguns agora querem reeditar, suspiravam por descanso; de transpirar enquanto o povo suava; de trabalhar para o aperfeiçoamento físico enquanto o povo o fazia para aconchegar o estômago.
O Mundo mudou; a sociedade não muda assim tão depressa. Mais facilmente enchemos o bandulho matando a fome ancestral, mais depressa nos refastelamos nos sofás a berrar contra os ladrões dos árbitros do que corremos para os ginásios ou por essas estradas fora. E sem o trabalho duro dos nossos pais e avós, que queimava toda a caloria que ingerissem, com alimentação em abundância à nossa disposição, engordamos, preguiçosos, sempre sonhando com comida como os nossos antepassados após outro inverno de fome.

NOTAS: 
(1) Constato uma mudança radical nos últimos 20 anos: então, aconteceu-me ser vaiado quando corria na estrada; hoje, no Entroncamento,  abundam corredores, adeptos das caminhadas exercitando-se ao crepúsculo, ginásios mais ou menos compostos. O exercício físico está na moda.
(2) Não sou daqueles que dizem: fiz desporto quando era mais novo. Exercito-me quase diariamente -- no karaté, a passear o cão, na agricultura. Mais faria, se mais tempo tivesse.