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segunda-feira, 12 de abril de 2010

Andorinhas

Todas as tardes de Verão se assemelham, as de hoje como as de há cinquenta anos, como, provavelmente, as de todos os tempos — talvez o entardecer seja apenas um, repetido ano após ano, milénio após milénio, como sem cessar parecem repetir-se vidas e amores, sejam ou não inventados, e o que fica, se fica, não é mais do que efémera história, bem ou mal contada.
Nos fios eléctricos, andorinhas chilreiam como camponesas regressadas da lida, com a alegria que dá a consciência de que o pão comido foi ganho com o suor do rosto. Além, no quintal de uma das casas em ruínas, um melro, macho, como se vê pelo bico amarelo e peito emproado, saltita afoito — longe vai o tempo em que os caçávamos impiedosamente e eles, ariscos, se isolavam longe dos humanos. Da torre da igreja chegam as Ave-Marias e tudo — o sereno do entardecer, o toque triste do sino, a cantoria das andorinhas, o assobiar mavioso do melro — me faz sentir que já vivi este momento vezes sem conta.
Nuvens vogam à deriva, preguiçosamente, quais patos pachorrentos empurrados pelo vento, e eu próprio, contagiado pela indolência do final do dia, mais propenso à divagação, dou voltas à imaginação para saber como deve prosseguir a narração. É que nisto de contar não basta registar a realidade, alinhar os eventos, cingir-se à verdade: como ensina mestre Vieira, “hão-de cair as coisas e hão-de nascer; tão naturais que vão caindo, tão próprias que venham nascendo.”
Ora o problema que se me põe é este: como contar naturalmente o que se segue, certo de que eu próprio duvidaria da sua veracidade se não o tivesse visto ou, como agora se ouve dizer, “ouvisto”, com estes que a terra há-de comer, bem tarde, espero?
(Inédito meu)

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