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sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Quebra cabeças


Pequeno e franzino, introvertido e pacato, cresci predestinado a ser vítima daquilo a que hoje se chama bullying. Valeu-me o mau génio com que a natureza me dotou. Que me leva a agir sem pensar, sem medir as consequências. Começou a manifestar-se bem cedo. Recordo-me de, aos seis anos, ter ido viver para aldeia estranha, e mandado à loja comprar azeite pela minha mãe, vi o caminho barrado por magote de rapazes indígenas que jogavam à bola: -- Não passas, não passas! 
Talvez eles brincassem, mas senti-me ameaçado.  Quando um deles, o dobro do meu tamanho, me tirou o lindo boné de palha, pala de plástico azul, o pôs na cabeça enquanto dançaricava em redor de mim, -- É meu, é meu, não to dou!, a garrafa que levava para trazer o azeite subiu até lá acima, atingiu-o na cabeça, ele caiu ensanguentado, retirei-lhe o boné e passei por entre a malta atónita sem que nenhum deles ousasse fazer-me frente. 
No regresso, encontrei-os junto à porta de minha casa, onde a minha mãe curava com tintura a cabeça partida, eles ameaçavam-me, gritavam-me impropérios, distorciam o sucedido, como voltaram a fazer depois, na escola, acusando-me de agressão brutal em resposta a alegre brincadeira, e vi-me ostracizado pela professora, de quem fora até então o menino bonito. E continuei introvertido e pacato, fechado em mim, por companhia as leituras -- a quebrar cabeças quando me punham fora de mim.

2 comentários:

João Andrade disse...

Caro amigo,

Que génio do tamanho do Diabo! Saiu-lhe cara a façanha que o tresnoitou na idade pueril ante os seus colegas. Esse seu temperamento tanto debica no Malhadinhas como no venerando deputado Calisto Eloi. Bem ou mal haja.

JCC disse...

O meu mau génio já me tirou de apuros em situações difíceis, que talvez aqui relate, pois não orgulho do que algumas vezes fiz. Com os anos, sobretudo com trinta e tal anos de karaté, já o tenho relativamente preso na lamparina. Não me revejo no Malhadinhas traiçoeiro, que detesto navalhas, nem em Calisto Elói, a ameaçar com bengaladas: sou apenas uma criatura pacata, a quem a tampa salta com demasiada facilidade e a fúria cega. Bem gostaria que ninguém esfregasse denodadamente a lâmpada...
Um abraço amigo.