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domingo, 28 de abril de 2013

Purga no Facebook

O meu feed de notícias no Facebook está permanentemente atafulhado de lixo, mais parecendo latrina pública que espaço informativo, de troca de ideias, de partilha de interesses. Predomina a sabedoria empacotada, sentenciosa, em versão lite, digest, frequentemente em letras garrafais. Escasseiam pensamentos, mesmo pobrezinhos, mesmo enviesados, mesmo disparatados. Rareiam sentimentos pessoais, originais, inevitavelmente esdrúxulos. As piadas, estafadas, agoniam.
(Eu sei: sou um chato, sensaborão, sem sentido de humor.)
Vou fazer uma purga. Se no genocídio apanhar por tabela pessoa que crê ter algo original para dizer, alguma coisa relevante para partilhar, as minhas desculpas antecipadas. No estado em que o feed está, ou vai ou racha. Assim é que não continua.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

Sombras

Como o protagonista de O Estrangeiro, Meursault, também eu acredito que todas as vidas se equivalem, pelo menos no instante derradeiro da morte. É minha convicção profunda que deste mundo nada levamos, nem sequer ínfima recordação dos bons momentos. Que a vida é menos do que piscar de pirilampo na noite eterna. Efémero, vago, mortiço. Se alguma coisa lhe pode dar valor enquanto a luz que nos anima se não esvai, são os afectos criados, laços que resistem a ser desatados, lembranças saudosas que serão espoletadas por uma fotografia, um objecto, um lugar, uma brisa, um entardecer.

Passo de tractor pelo adro e revejo o meu bisavó Zabel sentado nas escadas da igreja, mais além, no Outeirinho, o meu avô Catarino, alcunhado Sargento, de bigode branco, boné, agarrado a pau depois que trombose lhe tolheu uma perna, escuto com o prazer de outrora as suas intermináveis histórias de tropa, ouço-o novamente, a cinquenta anos de distância: -- Zé, quando fores grande, hás-de ser aviador!, no banco, simples tábua, por entre sardinheiras, a minha avó Francisca, cega, mantém diálogos vivos a várias vozes com gente já morta, e eu venho mandado buscá-la pela mão  e levá-la até minha casa que é a nossa semana, no caminho passo pelo meu avô Cipriano, de barrete a proteger a careca, a Avó da Luz em luto perpétuo, que de tudo fazia história, aparelha a burra...
Sem que o convoque, chega também o arrependimento pelas vezes em que os tratei mal -- mau génio, revolta por ter de lhes fazer companhia quando queria brincar, correr a coxia, ir aos ninhos, agravada pela rudeza aldeã daqueles tempos em que, muito mais do que hoje, os velhos eram vistos como trastes, estorvo, despesa.

Ah, esta minha memória, que nada esquece, nada me perdoa!

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Por um sestércio


Conta São Mateus que, pregando Jesus no Templo, os publicanos e herodianos, para O porem à prova, Lhe perguntaram se deviam pagar o imposto a César. Jesus, que bem conhecia a sovinice do seu povo, pediu uma das moedinhas com que pagavam o tributo: -- Mostrai-me um sestércio!
Ora aqui é que o cronista omite pormenores relevantes, incapaz de pôr a nu a ancestral avareza judaica. Mas eu, pressentindo que a história deveria estar incompleta, procedi a aturadas pesquisas, recorrendo inclusive a manuscritos apócrifos, alguns deles ainda não publicados, para reconstituir o hiato entre o pedido de Jesus e a sua célebre sentença "Dai a César o que é de César." E, por acréscimo, apurei como ocorreu a expulsão dos vendilhões do Templo...

-- Um sestércio, Mestre? Tu, que abominas o dinheiro, pedes um vil sestércio?
Com aceno de cabeça, Jesus confirmou.
-- Onde vou arranjar agora um sestércio? Olhou em volta. Os outros publicanos fingiam prestar atenção aos vendedores de pombas. Os discípulos de Jesus sorriam trocistas: mais uma vez o Mestre  ganhava as discussões.
Em vão, o publicano escarafunchava nos bolsos da túnica: -- Logo hoje, que vim desprevenido... E para um dos herodianos: -- Ajuda-me, que já riem de nós!
--Também eu estou desprevenido... Nunca trago dinheiro comigo, sempre digo que Jehovah me valerá nas necessidades...
O publicano olha interrogativamente para os outros. Apressam-se a revirar as algibeiras, para mostrar que nada escondem. Um, em jeito de desculpa: -- Acho que tinha um sestércio, mas a minha mulher deve ter-mo apanhado quando lavou a túnica... É sempre o mesmo: dinheiro que ela encontre nos meus bolsos desaparece logo!
-- E tu, dizem a um dos herodianos, que ao demais és também banqueiro?
-- Também nada tenho, irmãos. Sabes bem que nós, banqueiros, somos uns pobres de Deus.
Irritado com os esgares de troça, acrescenta desconfiado: -- E mesmo que tivesse um sestércio, não o punha nas mãos desse Jesus. Havia logo de dizer que pertencia ao Pai e ficava com ele, ou dava-o a pobre, para fazer figura à minha custa!
Jesus, mão estendida, sorria com beatitude, não pela vitória mais do que certa, talvez com pena destes seus irmãos forretas.
O publicano que interrogara Jesus desesperava -- perder a face por um sestércio, um mísero sestércio!
--Vamos pedir ali aos cambistas, emprestar-nos-ão a moedinha.
Os outros olharam-no, duvidosos. -- Que garantias lhes dás, quis saber o herodiano banqueiro.
-- Atrever-se-ão eles a exigi-las, de nós e na casa do Senhor, onde os deixamos exercer a sua actividade?
E para o primeiro deles: -- Irmão, empresta-me um sestércio!
O cambista não era parvo. -- É por via da disputa que tens com o Mestre?
Com aceno de cabeça, o publicano anuiu.
-- Perdoa-me, mas consta que o Mestre dá tudo aos pobres. Quem me devolve depois o meu sestércio?
Foi demais. Os herodianos não se contiveram, empurraram o cambista, berraram -- Todos já daqui para fora, escumalha torpe, que conspurcais a casa de Deus com os vossos negócios vis! E vendo que se não apressavam a desmontar as bancas, um deles ameaçou: -- Ou saís a bem, ou vamo-nos queixar a Pilatos, ao próprio Herodes, que está na cidade!
Fugiram lestos, as bancas debaixo dos braços, mal ouviram o nome de Herodes, que a pedido de Herodíade mandara matar o Baptista e servir a sua cabeça à jovem Salomé em bandeja de prata. Os vendedores de pombas, vendo os colegas cambistas em debandada, tentaram saber a que se devia a fuga precipitada.
-- Herodes..., foi o que ouviram.
--Herodes?, disse um para os outros, como se não tivesse compreendido bem.
E em resposta, ouviu dito que resiste desde então ao desgaste dos séculos:
-- O velho Herodes! Foge, senão ainda te...
-- Colegas, que faremos? Perguntou o publicano que quisera pôr Jesus à prova.
-- Saiamos nós também, de mansinho, enquanto estão distraídos com a fuga dos vendilhões do Templo .
-- E eu, como fico perante o povo?
-- Ora, se algum te perguntar, diz que vais a casa procurar um sestércio.
-- Ou que nós, herodianos, somos tão pobres como Ele.
O banqueiro ainda sugeriu que pedissem a Jesus o milagre dos sestércios, à semelhança do da multiplicação dos pães e dos peixes.
Olharam-no com desprezo: como um homem brilhante nos negócios pode ser tão burro em assuntos comezinhos: -- E onde está o sestércio que Ele há-de multiplicar?
Ainda ouviram o Mestre, que ensinava o povo: -- Dai a César o que é de César e a meu Pai o que lhe pertence!
-- Ora, pois, não vos dizia? Se apanhasse o sestércio, Ele que é o herdeiro do Pai...i

domingo, 21 de abril de 2013

Lembram-se?

Pois eu lembrei-me, ao encontrar este ninho na minha arrecadação. Suponho ser de pardal do telhado, e os ovos ainda não estão a ser chocados.
Os Ninhos

Os passarinhos
Tão engraçados,
Fazem os ninhos
Com mil cuidados.

São p’ra os filhinhos
Que estão p’ra ter
Que os passarinhos
Os vão fazer.

Nos bicos trazem
Coisas pequenas,
E os ninhos fazem
De musgo e penas.

Depois, lá têm
Os seus meninos,
Tão pequeninos
Ao pé da mãe.

Nunca se faça
Mal a um ninho,
À linda graça
De um passarinho!

Que nos lembremos
Sempre também
Do pai que temos,
Da nossa mãe!

(Afonso Lopes Vieira)

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Só nos filmes...

... e no restaurante Alto Pina (Alcorochel, Torres Novas): jovens que, enquanto almoçam, vão dedilhando a guitarra portuguesa, a viola, e cantam. Por prazer, e muito bem. Hoje, tendo sabido pela dona que era o aniversário do meu amigo, alegremente lhe cantaram os parabéns, com votos de "muitas amigas também".
Nem todo o país está deprimido. Resiste-se onde e como se pode. Sobretudo na província. E não é difícil: linda tarde de Sol, verdes campos, céu limpo, azul, o chilreio dos passarinhos a festejarem a Primavera que finalmente chegou, boa comida, bom vinho, amizade, simpatia, afabilidade — facilmente nos esquecemos de que há Mundo para além dos muros do parque do restaurante, e nele atentados, crise, troika, cortes salariais iminentes...
Dum vivimus vivamus!

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Na pacatez aldeã

O homem não dá um passo a pé? Problema dele.
Não é da minha conta que para fazer uns míseros metros  pegue no carro. Mas já me afecta que embirre com as paredes, como se lá estivessem apenas para lhe lixar a condução e o carro. Sobretudo quando as paredes são minhas e as deixa no estado que a foto mostra.
Enfim, pior seria, pior será se criança ou velhota não conseguir resguardar-se a tempo quando surge ao volante.
Insinuam as más línguas, que infelizmente abundam nas aldeias, que tal condução errática se deve...
Calúnias. Posso afiançar que, neste caso e em muitos análogos que venho presenciando ao longo dos anos, a culpa foi sempre das paredes.
(Espanta-se o Jeroen, que a tudo assistiu da sua varanda: -- E ainda dizem que nas aldeias nunca se passa nada!)

Mistério

Nunca consegui ter tulipas bonitas. Supunha eu que o nosso clima lhes era desfavorável, com muito calor precoce. Eis que vem da Holanda o Jeroen e as suas tulipas resplandecem. Quem sabe sabe, ou ele trouxe consigo um pouco da Batávia?

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Previsão animadora

A da meteorologia. Porque as económicas azedam o humor. Como se as várias entidades competissem entre si para, em cada dia, ver quem faz a previsão mais desanimadora. Cada qual pior do que as outras.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Batatas

Por mais que as queiramos evitar, as notícias da crise financeira e económica, do desemprego, da quebra de
confiança dos consumidores, conseguem encontrar frestas por onde entrar em nossas casas. Parece que este ano nem a agricultura se salva, nem ela nos salva. 
As batatas, por exemplo. Ei-las bonitas, viçosas, promissoras, que não fiz caso das opiniões dos entendidos (também no que a batatas respeita, não faltam) e plantei-as com grande dificuldade em terra encharcada, mal amanhada. Agora ameaça-as a chuva persistente. Sobreviverão elas, se a Primavera não chegar na próxima semana?

terça-feira, 9 de abril de 2013

Contra o cinzento dos dias

Desliguem a televisão, não ouçam as notícias, não se enfureçam com os títulos dos jornais -- os do Correio da Manhã são os mais perigosos para o fígado e sem um bom fígado não se pode beber --, saboreiem o melhor de cada instante, alegrem-se com a beleza que nos rodeia. Os dias, as semanas, os meses, os anos passam inexoravelmente e não voltam mais, nada nem nem ninguém vos devolverá o tempo perdido, e não podemos permitir que governo, oposição e Troika nos roubem nenhum momento de felicidade, por breve ou  insignificante que seja. Esta não é a primeira crise nacional  -- a primeira datará de 1143, não sei bem -- e não será a última. 
É em momentos como este que mais importa seguir os ensinamentos de Ricardo Reis:

Circunda-te de rosas, ama, bebe 
E cala. O mais é nada. 

(Foto: flores da minha glicínia, na falta de rosas, que até o clima conspira contra a primavera.)

quinta-feira, 4 de abril de 2013

No Canal Caveira

Os diálogos, sobretudo ao telefone, são frequentemente de uma pobreza confrangedora, especialmente visível quando reproduzidos por escrito, sem a mímica, os trejeitos faciais, a entoação, o alongamento de vogais, as onomatopeias adequadas, os beijos repenicados no ar, hum, hum...
Há um ano, ainda era eu professor, registei para a posteridade este diálogo (ou monólogo, ou mero exercício da função fática da linguagem, não sei bem),  ouvido e sofrido na sala de professores, enquanto aguardava que a colega ao telemóvel acabasse de lançar as suas classificações e libertasse o computador para que eu pudesse introduzir as minhas.
-- Onde tás?
-- O quê? No Canal Caveira? No Canal Caveira?
-- Ah, tás no Canal Caveira!
-- ... No Canal Caveira!
-- Muito bem! No Canal Caveira...
-- Sim senhor! No Canal Caveira! Não acredito!
-- Não acredito!
-- No Canal Caveira!
-- No Canal Caveira!
--Tás a brincar!
--Tás a brincar comigo! No Canal Caveira!
--Tu, no Canal Caveira!

Muitos canais caveira depois:

-- Beijinhos, tchau tchau!
-- Hum! Hum! beijinho, beijinho!
-- No Canal Caveira! Não acredito!
-- Não acredito!
-- Tu, no Canal Caveira!
Hum, hum, jinho, jinho grande, grande, hum! hum!!

E eu, já por natureza impaciente, a ver o tempo passar, consegui resistir, contive-me e não lhe disse: -- Acredite, colega, o gajo está no Canal Caveira!

Novilíngua

Preciso urgentemente de comprar dicionário e gramática actualizados para entender o português facebookiano:

dizem k um sorriso vale mais k mil palavras,por isso ca vai,....loool.....=)....estas lindissima....tenho.t vist miga,soke n me meto contigo nem nda do genero pk kuand te veijo tax smp com as tuas amigas,lool....beijao gand**
Linda como sempre fonfinha...
tas gira miga