A poesia tem sido presença
constante e marcante na minha vida. Porém,
como contarei em várias
mensagens, nem sempre assim foi, e aquilo a que chamo poesia pouco terá a ver com muito do que
hoje se abriga debaixo do seu guarda-chuva -- ou guarda-sol, que vem aí o calor.
Não
escrevo poesia. Tal como não
escrevo música,
nem pinto. Cada qual é
para o que nasce. Ou tem talento para essas artes, ou não tem. Eu não tenho, e descobri-o bem
cedo.
Na adolescência escrevia umas quadras anti-fascistas piegas, coisas do género:
O pão
que o diabo amassou
Será
comido por ele só
Chorará
então
como chorou
Aquele de quem não
teve dó!
Depressa evolui para formas mais livres, vazando a inspiração em textos atafulhados
de imagens, tentando imitar poetas como
Daniel Faria (ainda hoje me encanta A Invenção do Amor, que motivou o meu terceiro
romance), José
Gomes Ferreira, José
Régio...
Então
conheci Federico Garcia Lorca, em carta do meu primo António, com poemas que
dactilografara, tomado de admiração
por esse poeta que descobrira recentemente. Aquela música entrou-me logo nos
ouvidos, Verde que te quero verde, Ai, Antoñito el camborio! A morte sai e
entra, a morte entra e sai... Que bela fogueira deram os meus
"poemas"!
O golpe fatal nas minhas ambições poéticas, porém, foi dado quando li Pessoa, e por via
dele, Whitman, Klebnikov, Maiakovski. Prévert mais tarde. Vi claramente visto o
que é
arte. Dei-me conta das minhas limitações insuperáveis.
Porque, ao contrário
do que por aí
se diz, o querer não
é
tudo. Não
chega desejar ser águia
para ter as asas, as garras, a bravura - arriscamo-nos a não passar de
cacarejadores de metáforas.
Pior: não
consigo impedir-me de aplicar esse filtro a tudo o que leio. Pouco escapa. E
aquilo que escapa é,
quase sempre, mais velho do que eu.
Estará
a poesia moribunda, ou será
dos meus pobres olhos, que teimam em apreciar velharias? Suspeito que
nem uma coisa nem outra. Que a poesia continua viva e pujante, e o o problema
estará
no desfasamento entre qualidade e divulgação,
como aliás,
também
sucede na prosa literária.
Até
porque muitos dos poetas são
seres tímidos,
apreciadores da sombra, a quem a exposição
confrange e repugna.
(Continua)