Na Faculdade de
Letras de Lisboa havia então, a par de alunos que se não podiam dar
ao luxo de reprovar e lutavam para fazer todas as cadeiras do ano com
dez que fosse, uma minoria, mais ou menos aristocrática, que se
limitava a uma ou duas disciplinas por ano, com notas altíssimas,
com o fito de ficarem na Faculdade, primeiro como monitores, depois
como professores.
Não se misturavam
connosco. E se, por vezes, com grande azar e deficiente informação
calhavam em turma de professor que lhes não aparava o golpe,
desistiam logo ao primeiro teste, não sem antes fazerem valer
ruidosamente as suas razões, protestando o catorze ou quinze,
alegando incompreensão, insinuando incapacidade científica daquele
professor para avaliar com justiça o seu talento e mérito. E nós,
a ralé, divertidíssimos a assistir.
Lembro-me de um
desses casos, passado em Literatura Portuguesa II, com a Professora
Doutora Lucília Pires, com quem muito aprendi – e veio a
revelar-se de muita utilidade no desempenho da minha profissão.
A aluna,
empertigada, snobe, esgrimia isotopias e distopias, Greimas e modelo
actancial, trazia à baila a nota do ano anterior com outro
professor, que, esse sim, tinha-lhe feito justiça, despudoradamente
evocava elogios recentes da docente de outra das cadeiras.
Calmamente, sem jamais levantar a voz, a Professora contraditava a
argumentação. Se entendia que teria melhores resultados com outro
colega, pois que mudasse, a ela nenhuma diferença lhe fazia; as
notas de um ano numa cadeira não vinculavam os professores futuros;
e, o mais importante, – A sua análise do texto de D. Francisco
Manuel de Melo passa ao lado do tema...
– Isso são
idiossincrasias, responde a aluna incompreendida, e sai porta fora
para não mais voltar.
A professora
prossegue a aula como se nada tivesse ocorrido; mas a nós a
curiosidade não nos dava sossego. Idiossincrasias? E a palavra
articulada com a segurança de quem vê nela serial killer argumentativo!
Como assim?
A aula a terminar e
nós a correr para a biblioteca a confirmar o significado das ditas
cujas:
– Vês, empregou
mal o termo!
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