Aí por 82 ou 83, tive professor na Faculdade que começou a apresentação ridicularizando o nome da disciplina: — Fonética e Morfologia do Português é o mesmo que dizer os Alhos e Bugalhos do Português! E prosseguiu no mesmo tom criticando acerrimamente o programa que tinha acabado de distribuir, com o qual, pelos vistos não se identificava minimamente, culminando na sugestão de que deitássemos para o lixo a bibliografia anexa, que substituiu por outra, obviamente indisponível e quase inacessível.
Não, não sabia se existiam tais obras nas bibliotecas da Faculdade, nem o preocupavam as dificuldades de aquisição naquele tempo em que as compras ao estrangeiro estavam fortemente restringidas pela falta de divisas e problemas cambiais, e nós, pobres alunos, mal tínhamos dinheiro para fotocópias.
As aulas eram erráticas, sem planificação, ao sabor dos seus humores. O professor, sempre arrogante, autoritário, sobranceiro com os alunos. Sardónico ao falar dos colegas da área, sempre pronto a destruir as nossas respostas às suas perguntas com mordacidade cruel, num desejo infantil, assim supunha eu, de se ver venerado. Mas havia mais, como vim a descobrir quando veio a “frequência”. Que, inevitavelmente, me correu mal.
— S’tôr, quando é que entrega os testes?
— Não entrego. E do alto da sua estatura, ampliada pelo estrado, passeou olhar de gozo pelo Pavilhão Velho repleto de alunos incrédulos, a apreciar o efeito, a saborear o burburinho de protesto.
Depois acrescentou: — O departamento não permite, mas podem passar amanhã pelo meu gabinete para os ver e saber as notas.
Bom, à hora aprazada lá estávamos, eu e uma colega, autêntico mulherão.
— Você, disse-me, teve onze. Espantei-me. O teste não tinha sinais de ter sido corrigido. Mas ele era o deus único e verdadeiro da linguística e eu estava, tinha consciência disso, mal preparado pela leitura apressada de fotocópias e apontamentos dispersos e desconexos.
Onze dava para passar, era o que eu queria.
— E você, disse à boazona minha colega, teve sete.
— Sete? O s'tôr está a brincar comigo!
O s'tôr ria. E ela teimava: — O s’tor só pode estar a brincar comigo!
Com pressa para o comboio — trabalhava à noite, a cem quilómetros, estudava de dia — deixei a minha colega a insistir que o professor só podia estar a brincar com ela. Até porque me sentia a mais, com ele a propor-lhe irem os DOIS tomar um café fora da faculdade enquanto discutiam a nota.
No dia seguinte, encontro-a na faculdade: — Vês, o professor sempre estava a brincar comigo! Tive dezassete!
Bom, eu fiquei feliz com o meu onze.