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segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Os sapatos do antifascista

Foi no Itau, café do Camões, aí por 1972, que me apresentaram aquele revolucionário, acabado de sair de Caxias, onde a Pide o manteve preso por largos meses. E ele, olhando em redor sempre vigilante, sempre alerta, que os informadores estão por todo o lado, contava pormenores. Não tinha sido submetido à tortura do sono. Nem à da estátua. Nem... Ah, mas foi torturado, muito torturado, a sua militância duramente posta à prova, e baixando a voz, escondendo os lábios de olhares indiscretos com a concha da mão, contava: punham-lhe pó nos sapatos para as solas se romperem mais depressa! “E os bufos, pá, vinham ter comigo: — Isto está mal! 

Mas eu fazia-me parvo, esgazeava os olhos, nada dizia, até que, sem me conseguirem arrancar nada, tiveram de me soltar!”
Despediu-se, saiu, sempre a olhar em redor, assustadiço como coelho em tempo de caça.
E eu: — O gajo é doido, não é?



Ah, tinha ficado maluco em Caxias. Mas já antes não batia muito certo, talvez por isso tivesse sido preso: durante a greve do ano anterior, um grupo de estudantes tentava forçar a entrada numa sala para expulsar os fura-greves, a polícia foi chamada, todos fugiram menos ele, que foi apanhado a forçar a porta!

(Foto: fachada do prédio onde funcionou o Instituto Comercial de Lisboa)

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