Foi aí pelos meus quinze anos que me tornei leitor eclético, anárquico, incapaz de ler livros que não me seduzam, me agarrem desde o início. (Os Maias foi uma das excepções, mas tive de saltar as páginas iniciais, com a descrição do Ramalhete.)
Estudava então em Leiria, pouco, e estava alojado em casa modesta, velha, escura, tristonha, de uma senhora divorciada que recebia estudantes como hóspedes — sim, ao contrário do que hoje se diz por aí, o divórcio existia antes do 25 de Abril, embora se não aplicasse aos casamentos religiosos.
Adiante. O que interessa é que, ao fundo de um corredor, amontoavam-se centenas de livros, sem qualquer ordem. Para um miúdo viciado na leitura, afastado da família, num meio completamente estranho, foi um maná dos céus. Devorava um ou dois por dia, misturando Júlio Dinis com Caryl Chessman, o condenado à morte que na cela se tornou escritor, Thor Heyerdahl e a sua Kon-Tiki, Júlio Verne, Dumas, Salgari, Defoe, histórias policiais e de terror com os famosos livros de cowboys e o Major Alvega...
Os dias voavam, as saudades não doíam tanto...
(Naquele primeiro período, os resultados escolares não foram brilhantes.)
Passou meio século, creio que evolui como leitor, mas não mudei de critérios: se o livro não me puxa, não o leio. Por muito elogiado, por muito premiado que seja. Os meus gostos não se subordinam aos alheios. E vem isto a propósito de ontem ter procurado obra muito badalada recentemente. Bem escrita, mas intragável, barroca, em que o discurso (o modo de contar) abafa a história.
Deixo-o para as noites de insónia de leitores persistentes e pacientes, convicto de que só com paciência de corno se conseguirá ler.
O rei vai nu...
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