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domingo, 9 de março de 2008

Marcha da Indignação

A Marcha da Indignação ultrapassou, de longe, as minhas expectativas, apesar de ainda ser cedo para produzir consequências sérias. Por enquanto, ficamos com as falinhas mansas da ministra, num estilo de Madalena sofredora, como se sempre tivesse estado disponível para negociar – é só em 2009, as escolas é que decidem… Porém, nós que lemos os documentos que produziu, não esquecemos que esta aparente flexibilidade só surgiu como consequência dos protestos e é enganadora: até agora, nada de substancial mudou.

Note-se que o protesto não pode ser reduzido à contestação da avaliação de desempenho; esta avaliação e a forma desajeitada como foi lançada, violando a própria legislação emanada do Ministério da Educação, foi a gota de água. Para que quem está de fora possa ter uma ideia do que se passa nas escolas (e que nos impede de trabalhar naquela que é a nossa missão), só nas duas últimas semanas tive 9 reuniões, a última das quais, na passada sexta-feira, terminou às 20H00; ora o secretário de estado Valter Lemos, nas simulações que apresentou para a construção do nosso horário semanal (componente lectiva + componente não lectiva + componente de trabalho individual) considerou apenas 2 horas semanais para reuniões! Qualquer pessoa que não alinhe na fúria persecutória com que alguns se atiram aos professores percebe que se estou a fazer uma coisa não posso estar a fazer outra; se passo o tempo em reuniões não estou a preparar aulas, se estou a preparar aulas não estou a fazer testes, se estou a fazer testes não os estou a corrigir, se os estou a corrigir não estou a tirar faltas, se estou a tirar faltas não estou a receber encarregados de educação… O problema é que o brio profissional e o espírito de missão dos professores nos impedem de dizer o óbvio - assim não dá! – e estoiramos a tentar fazer tudo.

Por isso, porque não aguentamos mais, saímos à rua. E seria bom que alguns comentadores, daqueles que tudo sabem e tudo comentam, se informassem devidamente antes de escreverem disparates que só os podem envergonhar; a lista seria longa e fastidiosa, mas, para abreviar, vou deixar de comprar o Expresso, sugiro a Pacheco Pereira, o psicólogo das multidões que sabe sem estar na manifestação que “Os novatos vão falar muito, gritar mais alto, sentir a "psicologia das multidões", uma novidade para eles “ (os “novatos” são professores de meia idade e sabem comportar-se), sugiro, dizia, que especule sobre política, matéria que conhece, mas não se ponha a tocar rabecão sem antes aprender a sapateiro; sim, não temos plano A nem B porque não estamos a derrubar governos nem a jogar xadrez nem a travar uma guerra – estamos a exigir justiça e bom senso. Por último, a aristocratas que detestam multidões, que se deixem ficar na torre de marfim pensando pela sua cabeça enquanto cem mil de nós a endossam aos sindicatos - o autor fala em 50 mil manifestantes porque os outros 50 mil serão acompanhantes; contas estranhas, tendo em conta a taxa de divórcio, mas enfim, quem sou eu para o desmentir, se eu, professor, me manifestei acompanhado da minha mulher, professora? Ah, e vi uma jovem com um bebé de colo; certamente o levou para parecermos muitos!

Diferente foi a atitude de Francisco José Viegas, que procurou compreender o descontentamento a partir do conhecimento concreto de uma escola que visitou recentemente; o seu exemplo deveria ser seguido: em vez de palpites, porque não vêm visitar as nossas escolas, porque não falam com os nossos alunos e com os seus pais? E depois pensem se conseguiriam sobreviver um mês que fosse como professores!

Quanto à Marcha da Indignação, embora sem plano A nem B, e tendo endossado a minha cabeça não sei a que sindicato, valeu a pena. (Já me esquecia: não sindicalizado, sem partido e sem clube de futebol).

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