Como o defunto João Gaspar Simões, tenho a pretensão de conseguir farejar o talento. Uma vez, por exemplo, já lá vão 25 anos, era eu estagiário, a minha escola fervia de indignação devido a um jornal de alunos. Entrei para uma reunião. Vociferavam escandalizadas as orientadoras, cacarejavam aprovadores os estagiários, eu suspeitosamente calado. Incomodamente calado. Todos os olhares acabaram por me cair em cima, como se o meu silêncio fosse comprometedor.
Desculpei-me: -- Ainda não vi o dito cujo...
Prontamente, um colega que sabia viver e foi longe na vida mo pôs debaixo dos olhos. Folheei, dei com um soneto, li-o em diagonal, e escandalizei orientadoras e orientados: -- Mas isto é mesmo bom!
Não caiu o Carmo e Trindade porque estavam distantes, em Lisboa. Digamos, apenas, que superior e sabiamente sovado pelas autoridades educativas de então, dei continuidade a uma carreira de desastres e de inconveniências, e alarguei o vasto leque de gente aguardando a primeira oportunidade de me escalpelizar... E foi já fora da reunião e longe de ouvidos zelosos que o meu colega de então me confidenciou: -- Como é que o poema não havia de ser bom? Se é de Bocage!
Pois eu não o conhecia, não estava assinado... Há dias, a mesma coisa. No meio de poemas medíocres, um destoava. Era muito bom... Até que leio o nome do autor: Vasco Graça Moura.
Vem isto a propósito da poesia da Ivone. Já, por várias vezes, lhe disse que tem poemas muito bons. Encolhe os ombros e diz que se trata de amiguismo. Que alguém me aponte um único elogio, a poemas ou a narrativas, em que haja amiguismo. Quantas vezes me não contorci como enguia na frigideira para evitar comentários negativos, não tendo positivos para fazer. Quantas vezes me não calei. Mas elogiar merda, nunca. Quem duvidar, que percorra o histórico deste blogue, que vá ao meu site, e me contradiga. Publicarei todos os desmentidos fundamentados.
Posto isto, repito: tem poemas muito bons. Veja-se este, acabadinho de roubar do seu blogue - que a Ivone desculpe o abuso de confiança:
que Ceres se esqueceu da Terra.
Por debaixo das raízes e dos rios,
Proserpina deitou-se no leito de sombras.
Ainda seda, ainda memória, ainda luz,
viu os bagos de romã
caídos em redor de Plutão
que lhe estendia
numa mão o esquecimento,
noutra a eternidade.
Ivone Costa
Desculpei-me: -- Ainda não vi o dito cujo...
Prontamente, um colega que sabia viver e foi longe na vida mo pôs debaixo dos olhos. Folheei, dei com um soneto, li-o em diagonal, e escandalizei orientadoras e orientados: -- Mas isto é mesmo bom!
Não caiu o Carmo e Trindade porque estavam distantes, em Lisboa. Digamos, apenas, que superior e sabiamente sovado pelas autoridades educativas de então, dei continuidade a uma carreira de desastres e de inconveniências, e alarguei o vasto leque de gente aguardando a primeira oportunidade de me escalpelizar... E foi já fora da reunião e longe de ouvidos zelosos que o meu colega de então me confidenciou: -- Como é que o poema não havia de ser bom? Se é de Bocage!
Pois eu não o conhecia, não estava assinado... Há dias, a mesma coisa. No meio de poemas medíocres, um destoava. Era muito bom... Até que leio o nome do autor: Vasco Graça Moura.
Vem isto a propósito da poesia da Ivone. Já, por várias vezes, lhe disse que tem poemas muito bons. Encolhe os ombros e diz que se trata de amiguismo. Que alguém me aponte um único elogio, a poemas ou a narrativas, em que haja amiguismo. Quantas vezes me não contorci como enguia na frigideira para evitar comentários negativos, não tendo positivos para fazer. Quantas vezes me não calei. Mas elogiar merda, nunca. Quem duvidar, que percorra o histórico deste blogue, que vá ao meu site, e me contradiga. Publicarei todos os desmentidos fundamentados.
Posto isto, repito: tem poemas muito bons. Veja-se este, acabadinho de roubar do seu blogue - que a Ivone desculpe o abuso de confiança:
O PRIMEIRO OUTONO
Foi numa noite assimque Ceres se esqueceu da Terra.
Por debaixo das raízes e dos rios,
Proserpina deitou-se no leito de sombras.
Ainda seda, ainda memória, ainda luz,
viu os bagos de romã
caídos em redor de Plutão
que lhe estendia
numa mão o esquecimento,
noutra a eternidade.
Ivone Costa
1 comentário:
És muito exagerado, benza-te Deus!
Obrigada.
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