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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

A República

(Para o Reinaldo, que se queixou de que não tinha postado nada a propósito da efeméride.)

Quando, no Verão de 1910, foi preso pela tropa, em Alcobaça, acusado de dar vivas à República, a irmã correu até aos Montes: — Padrinho, empreste-me a sua égua! Não lha recusou e a mulher saiu num tropel louco, alvoroçando aldeia atrás de aldeia — Montes, Cós, Pomarinho, Maiorga, Fervença — sempre bradando Viva a República! e só se deteve em Alcobaça, estacando a égua em frente ao quartel, hoje Mosteiro:
— Morram os talassas! Viva a República!
Os militares acorreram à porta de armas, incrédulos com a provocação inopinada; depois, apercebendo-se de que era apenas uma mulher a desafiá-los, olharam divertidos para o sargento de dia, aguardando ordens.
Também ele sorriu: — Ah, mulher danada! Com gente desta como inimigos estamos feitos!
Os magalas respondiam com sorrisos aos vivas e aos morras da irmã do Ceslau, que a ouviu no cárcere e saudou a mana fazendo sair o punho através das grades, dando, também ele, vivas à República. Afinal, soldados e sargento apenas cumpriam ordens, bem no fundo talvez eles próprios também ansiassem por ovacionar a República; não havendo por ali oficial que lhes dissesse o que fazer, foram sorrindo aos gritos da moça e talvez um ou outro tenha também erguido o punho fechado, levado pelas suas simpatias ocultas ou apenas contagiado pela euforia do momento.

A algazarra atraiu uma pequena multidão, sem que desta feita a tropa a procurasse dispersar. Uns, divertidos com a ousadia da rapariga, outros solidários na causa, outros apenas curiosos, seguiram-na depois em magote, fazendo soar as vozes do arroído pelas ruas da vila, atraindo a curiosidade às janelas, toda a gente admirada com esta manifestação: à cabeça, a vigorosa moça montada a cavalo em cima da égua garbosa do padrinho, sempre aclamando a República e dando morras à monarquia, o povo seguindo-a como a líder que anuncia a revolução, até que, mais para a tarde, acabaram por dispersar, reportando depois a história de geração em geração, acrescentando um ponto aqui, outro ali.

Entre Cós e Alpedriz

5 comentários:

Reinaldo Amarante disse...

Obrigado pela dedicatória. Confesso que procurava um post de 5 de Outubro por ser Dia do Professor.
Mas não sou indiferente ao Dia da República. Quando era puto e ainda vivia em Macau, meu Avô materno hasteava todos os anos a Bandeira Nacional neste dia. Era um Republicano convicto. Em casa, tinha em lugares de destaque, duas gravuras emolduradas, representando a Implantação da República, com a dita Senhora, com um chapéu jacobino (?) na cabeça, à frente da turba, de braço estendido e uma mama de fora.
Quando vim viver para Portugal (na altura Metrópole...) fui prevenido que éramos uma República, mas era proibido dar vivas à República, porque se arriscava a ir de cana na ramona como acontecia com os velhotes sobreviventes do 5 de Outubro que se atreviam fazê-lo nesse dia em visita ao cemitério onde estavam os que já tinham partido. República tolerada, só as de Coimbra...

JCC disse...

Não sabia que era o Dia do Professor... Efemérides não são comigo, excepto quando dão direito a feriado. Para comemorar o dia da nossa classe, embora com atraso, vou colocar um excerto de um inédito meu, intitulado A professora. É um capítulo de uma novela que terminei há uns meses.
Obrigado pelos comentários.

Ivone Mendes da Silva disse...

Zé, deixa-me lá usar o teu blogue, para corrigir um pormenorzito ao nosso Reinaldo que, por ser homem tolerante, perdoará o reparo, ainda por cima vindo de uma monárquica: o que surge, na cabeça da figura que representa a República (a tal do atributo antómico à mostra) não é um chapéu jacobino mas sim um barrete frígio.

Ivone

Reinaldo Amarante disse...

Obrigado à Senhora Dona Professora Ivone pela correcção.
Aprender sempre. Eu até sabia isso. Que vergonha. Já é alzheimer a mais...
Quanto ao Cipriano, sinto-me inchado que nem um peru: dois posts no mesmo dia, instigados por mim, é obra!

JCC disse...

Não digas "inchado como um peru", que vem aí o Natal; eu até estou a criar um peru para o comemorar!