Durante décadas e décadas, os nosso economistas e governantes esforçaram-se para que os campos esvaziassem. Argumentavam então que a taxa de camponeses em Portugal era muito superior à dos países desenvolvidos da Europa; que com tanta gente a sobreviver na agricultura a produtividade era baixa, os proveitos reduzidos; que e mais que... Cépticos como eu viam cinismo em tão boa vontade, em tão grande preocupação com os sofrimentos dos camponeses, que não compravam os alimentos nos hipermercados e ainda valiam aos filhos, enchendo-lhe os porta-bagagens dos carros quando os visitavam. Era preciso que o campo deixasse de produzir e passasse a consumir; era preciso que os filhos dos agricultores se abastecessem nos hipermercados, como fazem as pessoas civilizadas por essa Europa fora, e não na casa paterna.
Depois, vieram os golpes de misericórdia: fecharam as maternidades, as urgências, as escolas, agora os tribunais, as juntas de freguesia, portajaram-se as antigas SCUT...
E com os campos quase ao abandono, em ano de seca, ora severa, ora extrema, eis que os génios da economia e das finanças, que também são políticos a contragosto, vêm defender o regresso dos jovens ao campo. Prevejo que será um sucesso: as raparigas preferirão os rapazes que melhor lhes falarem do perfume da bosta, da vida idílica longe dos centros comerciais, das escolas, dos hospitais, a comerem o que a terra lhes der, se der, a amealharem os proveitos dos excedentes, vendidos a intermediários com profundo sentido de justiça.
E porque palavras leva-as o vento, termino com história contada dois dias atrás por agricultor septuagenário, que ganha a vida como pedreiro:
-- Zé, contou-me, fui vender a Leiria 300 quilos de batatas. Sabes a como é que mas pagaram? A 22 cêntimos o quilo.
Faço contas de cabeça: -- Sessenta e...
-- Sessenta e seis euros. Ora vê lá o que ganhei, depois de pagar o gasóleo do transporte, e as horas que perdi. Se acrescentar o trabalho da arranca... Para já não falar da plantação, das curas...
Portanto, senhor presidente da república, senhor primeiro-ministro, continuem a vossa campanha em prol do regresso aos campos: os jovens ouvir-vos-ão entusiasmados, e prontamente repovoarão os campos, e assim se salvará a pátria -- a não se que ponham a pensar em quantos quilos de batata precisarão de produzir, de arrancar, de vender para comprar um smart phone.
NOTA: com a ajuda do meu sócio destas aventuras agrícolas, já tenho as batatas armazenadas. Boa produção em ano ruim. Mas não se pense que o trabalho terminou: é preciso combater regularmente a traça, que pode destruir por completo a produção, como fez dois anos atrás, e a podridão. Trabalho porco, fedorento -- nem imaginam como uma batata podre cheira mal --, cansativo. Inútil, por vezes.