Número total de visualizações de páginas

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

As notícias interessantes

A meio da semana, a meio da manhã, o rapaz surpreende a avó com visita inesperada. Olha em volta, e não o vendo, logo pergunta pelo avô.
-- Saiu, foi lá abaixo, à cidade, na motoreta... Hoje não trabalhas?
-- Ele demora?
-- Foi comprar o jornal, deve estar por aí a aparecer. O pior é se encontra este, se encontra aquele, um copito aqui, um copito ali...
-- E eu com tanta pressa! Vim numa correria, é só falar com o avô, e vou-me logo embora. Tenho uma novidade para contar. Mas primeiro tem de ser ao avô. Se quiser, pode ouvir, mas primeiro é a ele.
A espera prolonga-se. Impacienta-se o moço, angustiado com a lenta passagem do tempo, que acompanha de minuto a minuto no smartphone:
-- E se eu fosse ver do avô?
-- Sabes que ele não gosta. Está sempre a dizer: um homem só se procura ao fim de três dias.
Ouve-se finalmente o traque-traque da motoreta. O rapaz corre ao portão, sim, é o avô que regressa, inconfundível silhueta azul operário, capacete estilo penico. Vem com pressa, cumprimenta o neto a despachar, logo faz tenção de seguir para o seu refúgio, o barraco junto ao galinheiro, ansioso por ler no seu sossego as desgraças do dia, ainda a escorrerem sangue das parangonas vermelhas do Correio da Manhã. O neto segue-o, tenta captar-lhe a atenção:
-- Avô, vim cá de propósito para falar consigo, não quis que soubesse por outra pessoa, quero que seja o primeiro a saber...
O avô detém-se, levanta os olhos da primeira página, corta rude o arrazoado, impaciente com as delongas.
-- Saber o quê?
-- Vou ser pai...
-- E o que é que isso me interessa?
Aliviado como se se tivesse livrado de moscardo de zumbido incomodativo, segue para o seu refúgio, a inteirar-se com calma daquilo que é verdadeiramente interessante: os assaltos a residências, os crimes horrendos, os abusos revoltantes, por fim, o futebol, à maneira de sobremesa. Depois, consolado, fechará o jornal e irá ver de almoço...

1 comentário:

Beatriz Lamas Oliveira disse...

Gosto da concisão. Situações cruas, onde a falta de sentimentos e de ressonância emocional gritam dolorosamente, devem ser formuladas breves, assim.