Há momentos marcantes na nossa vida. Para as pessoas da minha geração, a conclusão da quarta classe é um deles, e marcava também o fim da infância. No meu caso, fui um privilegiado: com duas bolsas de estudo, uma que a professora primária arranjou, outra que o meu pai conseguiu, da Caixa de Previdência, pude ir estudar, o que implicou sair de madrugada, voltar ao cair do dia nas velhas camionetas de carreira, mais tarde hospedagem em Leiria, vindo a casa uma ou duas vezes por mês. Destino pior, muito pior tiveram os colegas cujos pais não tinham possibilidade de os "pôr a estudar", os rapazes a aprender ofício ou a agarrar a enxada de pontas, as raparigas a serem as criadas das casas maternas, até que, por casamento, tivessem o seu próprio lar.
Fomos com a professora na camioneta, eu, o Zé “Chaparrinha”, o Fernando “Balias” “Escabelado”, o Ildefonso “Mitadá”, o Zé “Cristo”, outros que por serem já ricos não tinham direito a alcunhas. Dias depois a professora ficou uma fera por lhe ter constado que um dos que andava na Admissão, espécie de explicações para preparar o exame de admissão às escolas técnicas e aos liceus, tinha errado um problema. Éramos apenas dois, eu e o meu primo Zé, e ele pagou as favas, com tareia de caixão à cova. Quando a professora soube que afinal eu é que tinha errado o problema, bom já tinha feito justiça, aliviado a fúria, e mais uma vez escapei incólume, graças à minha Sorte, que, reconheço, me tem acompanhado vida fora e espero me não abandone tão depressa.
Sem comentários:
Enviar um comentário