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domingo, 31 de agosto de 2014

Contra o fecho de escolas


Fecham as escolas, obrigam as crianças a viagens demoradas e perigosas, todo o dia afastadas das famílias. Desertificam o interior do país. Porém, não me consta que tenham encerrado os serviços inúteis do Ministério da Educação. Quando muito, mudam-lhes o nome.
Na 24 de Julho, na Praça de Alvalade, na 5 de Outubro, nas capitais de distrito, essa hidra de mil cabeças (quem duvidar que as conte) inventa constantemente tarefas inúteis para melhor sobrecarregar escolas e professores, alimenta a burocracia, alimenta-se da burocracia. Uns bons anos atrás, inspirado em factos reais (como mestre Camilo, "não tenho imaginação, tenho memória") trouxe para a ficção uma das suas funcionárias.

"Podia ter telefonado a combinar encontro, mas preferi aguardar a minha nora à porta de casa. Asneira. Passaram as cinco, hora a que é suposto chegar do emprego, as seis, as sete... Eis que finalmente aparece, sai do carro, divertida, radiosa. Interpelo-a, volta-se, vê-me, e quem cora sou eu, homem de outro tempo, ao ver sair pela porta do pendura cavalheiro bem posto que a abraça pela cintura... Ela, surpreendida por me ver ali, à sua espera, mas sem perder a pose nem a prosápia, afasta discretamente o braço do parceiro e cumprimenta-me afectuosamente com duas frescas beijocas nas faces escaldantes: que gosto em ver-me, que prazer, há tanto tempo, que fizesse o favor de subir... Recuso.
Não, não aceita desculpas, certamente veio para falarmos, e depois é sempre um prazer receber o "ex"-sogro, remata descaradamente... E com o mesmo despudor apresenta-me o seu "namorado", acrescentando pudicamente que só o era desde que se tinha separado do Bruno, não fosse eu imaginar coisas...
Ah, não me obrigará a entrar, a fazer sala estupidamente, a ouvir os seus argumentos (sempre o que mais facilmente se arranja). Já estou perfeitamente esclarecido, dispenso mais explicações, e se as julga necessárias não é a mim que as deve dar.
"Adeus", digo secamente, e começo a afastar-me.
Parece surpreendida: "Mas não entra? Temos tanto para conversar... "
"Comigo, não. Já percebi tudo." Afasto-me apressadamente, ignorando malcriadamente os seus chamamentos. Como é que é? Corneia o meu filho e quer a minha bênção? E já no carro, a caminho de casa onde o Bruno aguarda ansioso por boas novas, enquanto peso as palavras, procuro a forma de lhe dizer o que tem de ser dito sem agravar mais a sua neura depressiva, faz-se-me luz, tão certo como dois mais dois serem quatro!
Quando casaram, uns anos atrás, a mulher era professora e queixava-se constantemente dos alunos e respectivos pais, das colegas e da escola, do excesso de trabalho e das agruras da profissão. Colocada no Alentejo, fazia então uns duzentos quilómetros diários de casa para a escola e da escola para casa. O Bruno, para lhe evitar tal incómodo, e também para a ter mais perto de si, aproveitou conhecimentos partidários, meteu cunha, conseguiu que fosse destacada para um qualquer serviço do Ministério da Educação. Nova, gira, certamente aproveita as trinta e cinco horas de ócio para namorar! Não admira, portanto, que se queixasse da sensaboria da relação conjugal, depois de um dia de trabalho exaustivo, por entre mails com anedotas, toques de telemóvel, SMS aos colegas mais atraentes, namorisco no bar antes dos almoços de trabalho para discutir os mais prementes problemas educativos das escolas a seu cargo, como a pertinência do razoado dos respectivos projectos educativos..."

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