De chofre, a minha sogra, 84 anos lúcidos, pergunta-me ao jantar: se acredito que que o nosso destino está escrito em livro, ou se somos nós que o fazemos.
Encolho os ombros: não sei. Não tenho a sabedoria de Santo Agostinho, e não me apetece reflectir por entre colheradas de sopa sobre determinismo e livre-arbítrio. Já a minha sogra se alonga, indiferente à resposta: arrepende-se de muitas asneiras, como a de num passado já longínquo ter deixado a casa em que vivia para ir para a de uma das filhas. Não me pronuncio. Parece não haver maneira de recuar ao passado a emendar os erros -- tantos que eu gostaria de poder corrigir! Só nos resta conviver com eles, por dolorosa que seja a recordação. E não repetir aqueles que se possam evitar.
Mas a questão inicial subjaz: determinismo ou livre-arbítrio? Como explicar-lhe que há o ADN, que há a sociedade, a educação, a avaliação correcta das situações em que a vida nos coloca, sempre difícil quer por insuficiência de informação, quer porque tendemos a decidir com o coração e não com a cabeça, e esta, frequentemente, tem por função encontrar justificações para as escolhas do coração... Não sei se a vida nos deixa muita margem de escolha.
Porém, admitir que a nossa vida está, foi, previamente escrita, no sentido em que as nossas escolhas estão quase sempre condicionadas, faz-me pensar que é da autoria de mau escritor -- afinal, a velha concepção platónica segundo a qual este mundo grosseiro, desconcertado, imperfeito, foi obra do demiurgo, um deus trapalhão, incapaz de reproduzir materialmente a perfeição das abstracções.
Não era nada disto que a minha sogra queria saber com tal questão, longamente meditada. A pergunta foi artifício retórico para iniciar o desabafo que se seguiu. Com as pessoas erradas. Que fazem o que podem para ajudar a resolver o seu problema a seu contento, nada fácil quando se esbarra com uma parede de certezas, indiferente aos sentimentos, aos pensamentos dos outros intervenientes -- outra evidência de que afinal não podemos escolher o nosso destino.