São as minhas amigas que escolhem os restaurantes para os nossos jantares. E, por critério, a moda, as opiniões de amigas: —Ainda não foste lá? Tens de experimentar! O conceito é fantástico, cada prato um orgasmo! — ouço-as confidenciar entre si.
Sorrio interiormente. Quem diria que são tão rápidos e tão fáceis nas mulheres de meia-idade? Mas nada digo, afinal, mais do que jantar bem, o que aprecio é a companhia e a amizade, solidificada por um quarto de século, desde que, entusiástica e esforçadamente, fizemos o nosso mestrado em Linguística.
Eis-nos a entrar para uma dessas tascas, agora tão na moda em Lisboa, tão selecta que lugar só por marcação com muita antecedência, tão exigente que só abre às 19H e fecha, imperativamente, às 22.
Confusão generalizada, barulheira ensurdecedora. Acabamos por nos apertar em mesa acanhada, sentados em mochos de madeira. Não há ementas, e a empregada, ou será patroa, moça brasileira, magra, braços completamente tatuados, dois arganéis nas ventas, diz-nos que o melhor é fotografarmos um quadro negro onde a giz estão indicados os pratos.
Quase não nos conseguimos ouvir. uma das minhas amigas sugere que mandemos vir um prato de cada item e partilhemos, para, assim, podermos provar de tudo. Calo as minhas reticências, afinal já como muito menos ao jantar, se as doses forem tão bem avivadas como suspeito, talvez dê para saborear. Só recuso a sangria, para mim tem de ser vinho tinto, alguma coisa tem de se aproveitar.
Chega o primeiro prato. Polvo à lagareiro. Depois de irmãmente dividido, calha a cada um de nós — uma colher de chá, conforme a foto 1
mostra. Logo que ocorre a quadra de Camões:
“Cinco galinhas recheadas
Prometeu o senhor de Cascais
A meia que mandou
Deixou-me com apetite para as mais.”
Os pratos sucedem-se. Melhores ou piores, sempre a mesma parcimónia (foto 2, choco com tinta, quase impossível de distinguir da batata, tanto à vista como ao paladar; fotos 3 e 4, ainda por partilhar). Com quantidades tão ínfimas, que, mesmo se estivesse cheio, não me sentiria saciado. Por desconfiar do pior, recuso sobremesa. Interrompem-me para que não diga o que parece a mousse de chocolate, embora reconheçam que sabe igual ou pior.
Cabe-me, agora, organizar o próximo jantar, na minha região. Uma responsabilidade, para não desiludir, na certeza de que não vamos comer conceitos.
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