Há quatro ou cinco anos, um dos meus jovens alunos de karaté, desajeitado e trapalhão, vem falar comigo no final do treino: tinha posto a cara de um colega em sangue...
Nem lhe dei tempo para se explicar. Ralhar antes de ouvir é um dos meus numerosos defeitos: se não estava farto de saber que o karaté não era para ser usado em brigas de escola...
O moço sabia: --- Mas queriam-me levar ao poste...
--- Ao poste?
--- Sim, ao poste, para me baterem lá com os testículos!
Alto lá. Não serei eu a condenar rapaz que defende a integridade dos ditos cujos, que um dia ainda lhe poderão fazer falta. --- Como é que é isso?
--- Ah, quatro ou cinco agarram-nos, correm contra um poste e batem connosco, de pernas abertas contra ele.
Eu, já calmo: --- E tu, o que é que fizeste?
Não sabia bem. Só se lembrava de que da cara de um deles jorrou sangue e todos fugiram.
Fui imediatamente prevenir o presidente do Conselho Executivo: --- Se aparecer algum marmanjão a queixar-se do meu aluno, já sabes o que se passou.
E fiquei pensando que outros, de maior fineza técnica, de maior agressividade no dojo, talvez não tivessem conseguido enfrentar devidamente a violência. Porque, em caso de agressão, o segredo, ensina-me longa experiência, é agir primeiro e pensar nas consequências depois. Porque "um cérebro é uma ferramenta que não serve para pensar; serve para agir" (Alain Resnais, Mon Oncle d'Amérique).
Foto: estágio Goju Ryu em 2002, Escola Secundária do Entroncamento
6 comentários:
Lembro-me bem da história, meu velho. Assino por baixo do teu último parágrafo.
Coisas que só nós percebemos, não é?
Ivone
Como treinador de Judo perguntam-me muitas vezes qual das Artes Marciais era a melhor. Invariavelmente costumo responder que melhor que todas é "uma boa corrida". Depois explico porque normalmente não percebem.
Mas para bom entendedor...
Ivone: acho mais positivo falar daqueles que ousam resistir aos maus tratos, às agressões, ou à violência e à prepotência que se abateu sobre as escolas, não raro criada ou agravada pelos próprios professores com a sua obsessão pela papelada, do que chorar as vítimas, do que chorar com as vítimas.
Reconheço no entanto que nos tempos que correm esta não é a atitude mais inteligente...
Reinaldo: fugir, uma das duas reacções básicas do indivíduo face a uma agressão tem vantagens indiscutíveis -- assim se possa fugir. Mas experimenta fugir agarrado por meia dúzia de calmeirões, como o João estava, ou no hall de um prédio, num elevador, num transporte público. Ou de um agressor armado com caçadeira.
Hás-de concordar que para poder fugir é preciso, normalmente, bater primeiro para criar essa oportunidade.
Zé,
É evidente que se pões as coisas dessa forma, não há pernas que nos safam. Aliás, agarrado por meia dúzia de calmeirões, o João também não tinha hipóteses de defesa. Concordo contigo que para fugir é necessário bater para criar essa oportunidade... se conseguir...
Aí é que está: o João safou-se, e bem. E nunca mais o quiseram levar ao poste. A Ivone lembra-se bem da história: fazia parte da direcção quando eu lá fui reportar o caso.
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