Muitos procuram desesperadamente um guia espiritual, mestre, guru, salvador, e nessa busca quase socrática chegam-se ao suposto mestre, colam-se-lhe, bebem-lhe as palavras, imitam-lhe o comportamento, copiam-lhe os tiques, citam-lhe as frases -- até que um dia descobrem desiludidos que seguiam não a um santo mas apenas a um homem, com as suas fraquezas, os seus vícios, o seu lado insuportável. E novamente depositarão as esperanças noutro, não querendo ver, ou não o conseguindo fazer, que é em si mesmos que devem procurar o seu mestre, esforçar-se arduamente para o polir para o aproximar da quimera que perseguem e, se acaso o conseguirem, ter a coragem de assumir perante eventuais discípulos as fraquezas da sua condição humana, desiludindo-os.
É este o drama que a consciência nos impõe, o de sermos capazes de lucidamente nos aceitarmos como homens, ignorantes e mortais, talhados para o fracasso, lutando embora para o ludibriar. O mais do que isto é a poesia de Fernando Pessoa, em que a voz do mestre sempre soa:
Não sei se é sonho, se realidade,
Se uma mistura de sonho e vida,
Aquela terra de suavidade
Que na ilha extrema do sul se olvida.
É a que ansiamos. Ali, ali
A vida é jovem e o amor sorri
Talvez palmares inexistentes,
Áleas longínquas sem poder ser,
Sombra ou sossego dêem aos crentes
De que essa terra se pode ter
Felizes, nós? Ali, talvez, talvez,
Naquela terra, daquela vez,
Mas já sonhada se desvirtua,
Só de pensá-la cansou pensar;
Sob os palmares, à luz da lua,
Sente-se o frio de haver luar
Ah, nesta terra também, também
O mal não cessa, não dura o bem.
Não é com ilhas do fim do mundo,
Nem com palmares de sonho ou não,
Que cura a alma seu mal profundo,
Que o bem nos entra no coração.
É em nós que é tudo. É ali, ali,
Que a vida é jovem e o amor sorri.