Um AVC obrigou o senhor Joaquim a internamento no lar, incapaz de andar, de fazer a sua vida, de ser auto-suficiente. Homem forte, confiante, vendo-se aleijado para o resto da vida, desanimou. Sou um merdas, um esporra, desabafava. Mas bem cuidado, logo que Fevereiro trouxe dias bonitos, e o sentavam no alpendre a encher os olhos com verde, os ouvidos com a cantoria dos passarinhos que as empregadas também alimentam, ganhou cor, apetite, vontade, devolveram-lhe forças as saudades do filho único, a labutar em Angola, que viria de férias no verão. E contava primeiro os meses, as semanas depois, finalmente os dias: menina Paula, é já domingo que chega o meu Francisco...
Passou esse domingo, passaram os dias, as semanas, aproximava-se o mês do seu final: que terá sucedido ao meu Francisco, que ainda não pôde vir-me ver? Coisa grave, sem dúvida. Mas ele vem, que se não ia embora sem me ver, sem se despedir de mim, sabe-se lá se para sempre.
Coitado do senhor Joaquim, confidencia-me a directora, quem lhe há-de dizer que o filho já regressou a Angola, não quis vir visitar o pai, lares e hospitais fazem-lhe muita impressão, e falta-lhe ânimo para ver o pai entrevado...
4 comentários:
Infelizmente o que não falta são senhores Joaquins abandonados nos lares e nos hospitais como se tivessem ido para o velhão. Porque não há tempo, não há vontade, faz impressão...
Há muitas razões para pôr os velhos no lar, a começar pela incapacidade de tratar deles quando já perderam a autonomia. O que me choca mais, e pretendi exprimir com esta história de fundo verídico, é a quantidade e a qualidade de argumentos que se arranjam para os abandonar lá, como se já tivessem morrido, porque a velhice, a doença, a agonia, a morte são desagradáveis e é mais fácil virar a cara para o lado e não ver.
Sim, pôr no lar não é o problema, o problema é abandonar, não visitar, virar a cara para o lado, como dizes. Acho que só quando essas pessoas forem também velhas vão perceber.
Não creio que se venham a arrepender se vierem um dia a passar pelo mesmo. Como dizem os franceses, on se fait des raisons. Ou não sentirão a semelhança, ou a negarão, ou dela se terão há muito esquecido...a consciência é coisa rara e não acredito no castigo final, neste mundo ou, menos ainda, num outro.
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