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terça-feira, 23 de outubro de 2012

Desespero


Escrevo sobretudo nos cafés, alheado de quem me rodeia. Num deles, desperta-me conversa exaltada ao telefone de uma das empregadas: 
-- ... tenho três filhos, não podem passar fome por causa de um chulo de um patrão. Não sei, a mulher anda a passear por aí bem vestida, a ele e aos filhos não lhes falta nada, os meus filhos não podem passar fome. Às três, vou aí e não vou sozinha. Eu não sujo as minhas mãos, mas há quem o faça. 

Coitada. Uma simpatia com os clientes, apesar da paga miserável, tardia, regateada. Tempos atrás o companheiro da moça contava: sem leite para as crianças, fora exigir os salários atrasados. Conseguira cinquenta euros por conta...
Lutei dia e noite contra o regime salazarista, enfrentei a polícia nas ruas, conheci a clandestinidade. Mas, reconheço-o hoje, Salazar não permitia horários de sessenta, setenta horas semanais, salários em atraso, pagos aos bochechos como favor que se faz, como é favor o trabalho que se "dá" a quem dele carece e se sujeita pelo leite para os filhos.

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