Esta medalha recorda-me a aventura do meu pai, que há quase cinquenta anos emigrou para a Holanda, com a típica mala de cartão,
— Devia comprar uma mala melhor...
— Serve bem. Quando chegar, ponho-a no lixo.
Por bens a roupa do corpo e algumas mudas, nenhum agasalho apropriado para os invernos da Batávia,
— Lá compro o que fizer falta!
Acima de tudo, forte vontade de trabalhar e uma determinação hoje inconcebível:
— Fico até se me acabar o dinheiro ou arranjar trabalho. Depois, que me ponham na fronteira...
Chegou após dias de comboio por essa Europa que desconhecia — tinha, apenas, a terceira classe — e descobriu que o contrato de trabalho era falso. De tanto calcorrear as ruas de Amesterdão em busca de trabalho feriu-se-lhe um pé, queria uma farmácia — e o guia e intérprete, apenas interessado em o sugar até ao último tostão, dizia não haver.
— Os maiores ladrões que por lá encontrei foram os portugueses!
Mas também havia gatunos de outras nacionalidades. O primeiro patrão, num restaurante, não lhe pagou. O companheiro de aventura desistiu passado pouco tempo. Mal por mal, antes a pobreza da aldeia, o conforto da pátria.
Com o dinheiro a acabar, soube de vagas na KLM, a companhia holandesa de aviação. Concorreu. Esperou, já sem dinheiro. Entrou. E teve de esperar um mês inteiro pelo salário.
— Não roubei nem pedi esmola!
(Nós, por cá, também sobrevivíamos numa penúria inconcebível,
Nobre povo, nação valente, imortal
porque, como as enguias, dominamos a arte ancestral da sobrevência
Lá, na fria Holanda, era neste clube, a cuja direcção chegou a pertencer, que entre outros emigrantes mitigava as saudades da pátria madrasta.
*A epopeia dos malteses é o título de um poema de Mário Beirão que ser lido, por exemplo, aqui.
Sem comentários:
Enviar um comentário