Primeiro uma ideia vaga começa a formar-se na minha cabeça, uma frase surge a reclamar registo escrito --- a obra começa. Vai fluindo penosamente, como ribeirito em busca do seu mar, deriva aqui e ali, recua quando encontra obstáculos insuperáveis, por vezes acumula-se à espera, sempre reclamando trabalho sem me dizer em que direcção seguir, como prosseguir. E, em dado momento, após dias, ou semanas, ou meses, ou anos, (ou nunca), ganha alma, emerge das sombras, impõe-se-me como história madura, capaz de singrar por si só.
Sim, não dá para acreditar. Confissões destas parecem tretas mistificadoras. Como é que se escreve sem saber o quê? Então não se fazem planos, como aqueles que se exigem aos alunos? Eu não faço. E o processo narrativo torna-se menos intrigante se pensarmos nos nossos próprios filhos. Investimos neles, esforçamo-nos, mas quase sempre seguem o seu próprio rumo, agrade-nos ou não...
Por exemplo, neste momento trabalho num conto em que tento plasmar a minha experiência de operário de plásticos nos idos de 1973. Procuro reconstituir o ambiente, tarefa difícil, porque a escrita é linear, da esquerda para a direita, de cima para baixo, e numa fábrica tudo nos envolve --- ruído das máquinas, dos compressores, das lâmpadas fluorescentes, cheiro a óleo, a plástico fundido, humidade no chão de cimento, que combina perigosamente com a electricidade, pelo que junto a cada máquina há um estrado de ripas de madeira e sobre ele um operário concentrado, mudo, de gestos precisos, olhos atentos aos mostradores, mãos quase insensíveis ao calor que abrem velozes os moldes. Por vezes, demasiadas vezes, há acidentes: queimaduras graves, dedos ou mão decepada, até um morto por electrocussão --- precisamente o camarada que me substituiu na minha máquina na semana de férias do meu casamento...
Vê-se que esta história vai já adiantada; mas não sei ainda como é que os vários ingredientes se combinarão, qual o desfecho, como será contado... Se prazer há no mister da escrita, é, sem dúvida, este, o da surpresa, a que acresce o da contemplação da obra terminada, com modesto desabafo incrédulo: fui eu quem escreveu isto? Sim, porque cada história é irrepetível, como irrepetível é a minha vida...
Sim, não dá para acreditar. Confissões destas parecem tretas mistificadoras. Como é que se escreve sem saber o quê? Então não se fazem planos, como aqueles que se exigem aos alunos? Eu não faço. E o processo narrativo torna-se menos intrigante se pensarmos nos nossos próprios filhos. Investimos neles, esforçamo-nos, mas quase sempre seguem o seu próprio rumo, agrade-nos ou não...
Por exemplo, neste momento trabalho num conto em que tento plasmar a minha experiência de operário de plásticos nos idos de 1973. Procuro reconstituir o ambiente, tarefa difícil, porque a escrita é linear, da esquerda para a direita, de cima para baixo, e numa fábrica tudo nos envolve --- ruído das máquinas, dos compressores, das lâmpadas fluorescentes, cheiro a óleo, a plástico fundido, humidade no chão de cimento, que combina perigosamente com a electricidade, pelo que junto a cada máquina há um estrado de ripas de madeira e sobre ele um operário concentrado, mudo, de gestos precisos, olhos atentos aos mostradores, mãos quase insensíveis ao calor que abrem velozes os moldes. Por vezes, demasiadas vezes, há acidentes: queimaduras graves, dedos ou mão decepada, até um morto por electrocussão --- precisamente o camarada que me substituiu na minha máquina na semana de férias do meu casamento...
Vê-se que esta história vai já adiantada; mas não sei ainda como é que os vários ingredientes se combinarão, qual o desfecho, como será contado... Se prazer há no mister da escrita, é, sem dúvida, este, o da surpresa, a que acresce o da contemplação da obra terminada, com modesto desabafo incrédulo: fui eu quem escreveu isto? Sim, porque cada história é irrepetível, como irrepetível é a minha vida...
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