Tantos anos depois do fim do salazarismo, não deixa de ser aberrante constatar que dos respectivos três efes apenas o fado perdeu importância. Ontem, gente aos pulos a berrar histericamente "campeões", hoje a praga de Fátima a encher as televisões. Entretanto, o ministro das finanças vai preparando o terreno para novos impostos... Raio de políticos, que nem imaginação têm para inventar novos anestésicos, e voltam sempre às receitas do passado; raio de povo, a quem qualquer pantominice serve para se anestesiar, desde que provoque histeria colectiva, se possível frente às câmaras da televisão -- e esquece que circo é acompanhado de pão: panem et circenses, não era assim, Juvenal?
Cumprimenta clientes que jantam, conhecidos que seroam, toda a gente com os olhos pregados no televisor, TV, dizem os entendidos, ouvidos atentos às conversas, lábios comentando e descomentando, com futebol, fado e Fátima vamo-nos anestesiando e passando o tempo, no ecrã pagadores de promessas rasgam os joelhos entre rezas mastigadas mecanicamente — prometeram, obtiveram a graça, é a altura de a pagar para que no razão divino nada conste em seu desfavor.Inédito meu.
— Venha cá, chama imperiosa a dona da pensão, e o rapaz tem um sobressalto, sabe que vai ser interpelado, admoestado, julgado, receia não passar no exame. É isso mesmo: tem de ouvir das boas, não que dona Noémia se tenha esquecido de que também foi na sua juventude criada de servir, também ela engravidou de moço fogoso, quem o imaginaria ao ver o seu discreto marido entretido a criticar o sacrifício dos peregrinos, contrapondo à fé dos ignorantes as novas ideias da igreja, agora mais avessa a sangue derramado, mais arredada de ritos pagãos.
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