Conta-se que os antigos pescadores recusavam aprender a nadar: em caso de naufrágio, sofriam menos. É, parece-me, ideia semelhante que impera nas sociedades contemporâneas, em que as pessoas recusam aprender técnicas de autodefesa, preferindo confiar na misericórdia dos agressores. Ora a agressão mudou muito, tanto nas suas motivações como nas consequências. Se num passado não muito distante era motivada, hoje não são raros os casos de violência gratuita, que pode culminar em ferimentos graves ou, até, na morte das vítimas e a atitude dócil de cordeiro, que oferece sem resistência o pescoço ao lobo, não só não é dissuasora de ataques como até os pode precipitar.
Vêm estas considerações a propósito de notícia que acabei de ver na Euronews: na China, a autodefesa foi introduzida nas escolas após uma série de ataques contra crianças, frequentemente mortais. Surpreendeu-me porque, no berço do Kung Fu, antepassado das artes marciais, tais práticas tinham sido banidas por Mao, que as considerava feudais, e os mestres perseguidos e condenados aos campos de "reeducação". Depois, com a ocidentalização, apenas foram promovidos estilos mais suaves, como o Tai Chi Chuan, expurgados das suas aplicações em combate -- e foi essa faceta de "arte marcial não marcial", não raro reduzida a coreografia que tem por única função a melhoria da saúde, que popularizou esses estilos no Ocidente, em detrimento das práticas tidas por violentas, como as variantes "externas" do Kung Fu ou o Karaté.
Receio que não falte muito, desvanecida a ilusão de que o ser humano é naturalmente bom e a violência sempre condenável, para que entre nós se reequacione a necessidade da prática da autodefesa, que as artes marciais promovem. E, antes que me lancem acusações fáceis e frívolas, recordo que estas artes privilegiam a formação do ser humano, ensinando que só é legítimo recorrer à violência em último recurso -- mas então há que o fazer empregando os meios necessários e suficientes para preservar a integridade física dos agredidos.
NOTAS:
(1) Emprego o termo Kung Fu por ser suficientemente conhecido para dispensar explicações; as referências à sua evolução recente são propositada e necessariamente superficiais.
(2) Na foto, O Xavier e o Mendes, nos exames em Paredes de Coura, 2009.
NOTAS:
(1) Emprego o termo Kung Fu por ser suficientemente conhecido para dispensar explicações; as referências à sua evolução recente são propositada e necessariamente superficiais.
(2) Na foto, O Xavier e o Mendes, nos exames em Paredes de Coura, 2009.
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