José Mário Silva, crítico literário, poeta e contista, é sobejamente conhecido, em parte graças ao blogue Bibliotecário de Babel, e a iniciarias que tem promovido com sucesso, como a Grande Oferta de Livros.
Recentemente brindou-nos com o microconto Um Bilhete para Anchorage, em que mais uma vez evidencia a sua maestria no género, de que saliento a economia da narrativa, o ritmo e o final, que não sendo surpreendente, está bem conseguido.
Li e reli a história, como sempre faço quando elas me agradam, para as saborear melhor, para apreender a técnica, e, confesso, em busca de fragilidades. É este um defeito meu, que me acompanha desde criança e me motiva para a escrita: a convicção de que com uns retoques muitas narrativas poderiam melhorar -- isto de acordo com o meu gosto.
No conto, JMS glosa a história do homem que, desapontado com a vida, sonha desaparecer para recomeçar algures -- neste caso, no Alasca. Até aqui, tudo normal. Sou daqueles que acreditam que todas as boas histórias foram há muito escritas, pelo que nos resta inovar no modo de as contar, actualizando-as, adaptando-as talvez ao tempo em que vivemos e ao gosto da nossa época. Ora é aí, no contexto, que me parece existir algo a melhorar. Sem ter a pretensão de ensinar a escrever a José Mário Silva, atrevo-me a recordar-lhe que apreendemos a realidade através dos cinco sentidos e se alguns deles não participam nessa apreensão, a narrativa pode não conseguir atingir a ilusão do real que torna as histórias verosímeis. Por exemplo, se se aceita que o Alasca surja estereotipado, por se tratar da quimera com que o pai do protagonista sonha, já a cena do hospital ganharia em verosimilhança com pormenores olfactivos que transportassem o leitor para os cuidados intensivos, acompanhando o protagonista.
Um bom conto, técnica narrativa apurada. Venham mais.
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