Em Espanha é que era bom -- e não falavam então dos caramelos de Badajoz, do azeite baratino, que viria a vitimar mais de mil pessoas. Nem das aspirações independentistas do País Basco ou da Catalunha. Eram os salários, era o nível de vida, eram as reformas aos cinquenta anos ou antes. As vagas em Medicina. Os horários de trabalho. As estâncias de férias. O TGV. Lá tudo bom, por cá tudo uma miséria. Um presidente da república portuguesa chegou ao extremo de pôr em causa a própria nacionalidade, ao dizer em discurso oficial algo como "... de Espanha, de onde talvez nunca nos devêssemos ter separado."
Ridicularizavam as minhas ideias patrióticas, os versos de Pessoa com que os tentava contraditar, a eles e a elas que tão bem espelhavam o pior do nosso povo quando a alma lhe falta, e não lhes escasseava auditório nem aprovação para os seus argumentos interesseiros, materialistas, reles, a sobreporem a cupidez à pátria, à língua, à cultura - que não tinham, que não têm.
E veio a crise. Terrível, desmoralizadora. Com a gasolina muito mais barata do lado de lá da fronteira, hoje tão fácil de passar que não fora a língua e nem saberíamos que estávamos em país estrangeiro. O fecho das maternidades alentejanas e os consequentes partos espanhóis. Os impostos, muito mais pesados por cá. As portagens nas antigas SCUT. Os cortes de salários e de subsídios. Com o agravar da crise, novos argumentos e mais poderosos deram sustento à integração ibérica: antes a gozar a próspera dominação castelhano que a sofrer a espartana austeridade imposta pela Alemanha. Antes com nuestros hermanos que sob o jugo da troika, a ouvir funcionários de quarta ou quinta linha, como os designou um banqueiro, a darem-nos lições de governação em conferências de imprensa, como se nossos governantes fossem.
Espanha receava o contágio português. Itália receava o contágio português. Obama receava o contágio português: não somos a Grécia, não somos Portugal, ouvi-o eu dizer.
Todos nos receavam porque portadores de doença contagiosa grave: caloteiros calaceiros.
Hoje, dois anos depois, somos nós que receamos o contágio espanhol, somos nós que vemos na sua crise a maior ameaça à nossa recuperação. Não se ouvem agora as vozes que defendiam a União Ibérica. Mas voltarão a fazer-se ouvir, logo que Espanha volte a estar melhor do que nós, o que inevitavelmente acontecerá - isto se, com a crise, se não desagregar. Porque, toda a gente sabe, ou deveria saber, Espanha nunca existiu como nação e casa onde não há pão...
Nós, portugueses, a única das nações ibéricas a sacudir a hegemonia de Castela, devíamos ter memória e, futuramente, o bom senso de não defender, mesmo como mera hipótese académica, a União Ibérica, saco de gatos de onde povos e nações (bascos, catalães, galegos...) sonham sair.
Sem comentários:
Enviar um comentário