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sexta-feira, 29 de março de 2013
Trabalhar sob a chuva
Forte é o vício. As terras não fogem, dizem-me. Mas não as hei-de ir ver, após semana de ausência, só porque os caminhos estão quase intransitáveis, o tractor é descapotável, há um vendaval desgraçado, chove que Deus a dá? E tanto por fazer, que a invernia não permite trabalho que preste e estamos a chegar a Abril?
Pois fui, trajado a rigor. Mas veio o mosquito...
Um bicho da terra tão pequeno
Diz Camões do homem. Que normalmente se tem em muito boa conta. Se julga o rei da bicharada. E vai daí, vem um mosquito, pequenino, insignificante, silencioso, invisível por entre a chuva, ataca-lhe a pele a descoberto, foge papo cheio antes que palmada vingativa o esborrache em pleno festim, e deixa o bicho homem com cara de bicho, zarolho como o Camões da lenda.
quarta-feira, 27 de março de 2013
Tekki
Por razões que desconheço, mas a que não será alheia a introdução do karaté no ensino de Okinawa, Mestre Itosu (1831-1915) segmentou a antiga kata Naihanchi em três, que o seu aluno Funakoshi japonizou com os nomes Tekki, nível um (shodan), dois (nidan) e três (sandan). A escolha do termo japonês deveu-se à (única) posição adoptada nas três katas, a do cavaleiro: pés afastados, paralelos, joelhos flectidos, como se o karateka estivesse enraizado no chão.
Estas katas provêm da antiga escola Shorei, (antepassada do estilo Goju Ryu), que se caracterizava por posições muito sólidas, deslocações curtas, técnicas circulares, curtas e poderosas, poucos pontapés e sempre baixos.
Na sua obra Karate-Do Kyohan, mestre Funakoshi descreve assim o Shorei-ryu:
"Coloca a tónica no desenvolvimento da força física e da potência muscular; impressiona pela sensação de força que evidencia.(...) As katas de Tekki, tal como Jutte, Hangetsu e Jion, entre outras, pertencem à escola Shorei. (...) Na verdade, é muito impressionante ver um homem poderosamente treinado executar uma kata da escola Shorei, subjugando o observador pela expressão da sua força absoluta. Mas é preciso reconhecer que tende a ter falta de velocidade..." (p. 8)
Treinamos normalmente as katas aos pares: a favorita (tokui-gata) e a antagónica, a primeira mais feita ao nosso corpo, a segunda da linha oposta. Por exemplo, tenho como tokui-gata Jiin e como antagónica Empi. Ambas exigem mais espaço do que o existente no meu alpendre e Empi ("a andorinha em voo") está suspensa até que o meu joelho esquerdo recupere. No vídeo seguinte, executo Tekki Sandan. Veja-se como simples testemunho da minha prática; para apreciar execuções de mestres, basta procurar no Youtube.
(NOTA: Tekki aparece normalmente grafada com dois "K"; como em Português um ou dois fazem o mesmo efeito, normalmente escrevo a palavra com um único "K".)
terça-feira, 26 de março de 2013
Desabafos meteorológicos
Gosto de chuva, mas este ano é um exagero. No ano passado, não choveu até 1 de Abril. Neste, é o que se vê. Num ano as plantas estiolam com sede, no seguinte definham amareladas, quase afogadas. O nosso clima não conhece o meio termo. Ou oito ou oitenta.
Vale-me a estufa. Graças a ela, e pela primeira vez, ludribriei as geadas. Tenho batata nova desde o início de Março.
Se o próximo vendaval a não destruir...
"Quando será nunca mais Primavera
Pelo menos um dia radioso
Que enfeite a atmosfera
Neste tempo tão chuvoso?"
segunda-feira, 25 de março de 2013
Das katas e do karaté
O
karaté foi concebido como uma arte de vida. Explico: não tem por fim a vitória
ou a derrota, nem taças ou medalhas, mas a educação dos praticantes, visando,
pelo rigor, pelo esforço e pela disciplina que a sua prática exige, veicular e
ajudar a seguir um rumo na vida orientado pela justiça. Tal
como nas diversas religiões, uma coisa são os ideais propalados, outra a vivência
dos adeptos. Os karatecas não são santos, como os cristãos também o não são.
Os ideais pretendem nortear, encaminhar o homem. O que cada
qual faz com eles é outro problema, aqui e agora irrelevante. Acrescento ainda
que palavras como “arte, vida, justiça, vitória, derrota”, etc., devem ser
vistas como termos com valor iniciático, bem diferente do sentido que
comummente lhes atribuímos; assim, justiça, por exemplo, é indissociável do Ying
e Yang…
Ora
a formação do karateka passa por “moldes”, em japonês kata, termo que designa
um conjunto de práticas ritualizadas, executadas de forma fixa, visando a
perfeição. Nesta perspectiva, religiosa, reconheço, não importa se a kata
executada se reporta à cerimónia do chá ou a práticas de origem guerreira,
normalmente designadas por artes marciais. Pouco importa qual é a kata favorita (tokui-gata), uma vez que não é a kata adoptada que forma o executante,
mas este que, supostamente, evoluirá com a sua prática. Em linguagem popular,
todos os caminhos vão dar a Roma. O que se busca, quase sempre
inconscientemente, são os frutos da perseverança, da tenacidade, da
aprendizagem, colhidos enquanto penosamente
se percorre o caminho (Via em Latim, Do em Japonês) da aprendizagem e da vida.
Executar katas (que, em casos extremos, como o ritsu zen, não têm um único movimento)
não deve ser visto apenas como um combate contra inimigos imaginários, espécie de
shadowboxing, ou mero exercício físico e mental. É mais, perdoe-se-me a
blasfémia, oração e missa. Porque os karatecas executam-nas diariamente com
fervor, convicção – e ausência do sentido do ridículo.
(Neste filme, Teki Shodan. Com alguma dificuldade em levantar as pernas, que o menisco ainda não está a 100%)
sábado, 23 de março de 2013
Treino individual
Conforme prometido, filme do treino individual de hoje, ainda coxo, o que não desculpa erros e imprecisões. Filme adaptado por programa velhinho. São as três Teki e Hangetsu, espero que dê para reconhecer.
sexta-feira, 22 de março de 2013
Casamento
Esta foto, tirada pelo Henrique, é uma das poucas do meu casamento, quarenta anos atrás. Sem fotógrafo, nem vestido de noiva, nem banquete, nem bolo. Raras prendas. A noiva estava grávida, eu era operário de plásticos em Leiria e vivia na Marinha Grande numa quase clandestinidade, não tinha ainda feito a tropa, não tínhamos uma única peça de mobiliário e dormíamos no chão...
Mudou por completo a minha vida. Fez de mim, que nasci mau, uma pessoa muito melhor -- ainda que nem sempre se note. Muito mais feliz. Uma história de amor que ainda não estou preparado para contar.
Foto: 23 de Março de 1974.
Foto: 23 de Março de 1974.
terça-feira, 19 de março de 2013
O coxo
Vai para quatro semanas que, sem motivo aparente, o meu joelho esquerdo deu em doer; não as dores que volta-não-volta atormentam os karatekas e passam com uns dias de repouso, mas dor atroz, que tornou penoso o subir e descer escadas, o andar -- e se eu gosto de andar a pé! --, me expôs ao ridículo de coxear em público: Zé, que é isso? O que é que te deu?
O médico, que é também o meu professor de karaté há trinta e tantos anos, diagnosticou problemas no menisco: Fazes uns exames... Tratamento? Pomada, repouso, um comprimido, se te vires muito aflito.
Bom, não consigo estar parado. E, há dias, ao trabalhar no campo por entre dores quase insuportáveis, tive de fugir repentinamente de uma braça de macieira que cortava e por pouco me não caía em cima. O joelho deu um estalo, a dor mudou de local, e senti que a articulação tinha ido ao sítio.
De então para cá, creio que melhorei um pouco: subo e desço escadas como adulto e já não como bebé, as dores não são tão intensas, especialmente se não fizer movimentos laterais, e ontem já experimentei fazer umas katas no meu alpendre. Por enquanto, apenas consigo fazer as três Teki -- uma surpresa, pois pensava que a posição, kiba dachi, "o cavalo de ferro", fosse péssima para os joelhos.
É esta a riqueza do karaté: há quase sempre possibilidade de prosseguir o treino, de fazer exercício físico, quando, muito provavelmente, todas as outras modalidades seriam inviáveis. Se tiver quem me faça o filme, amanhã coloco aqui uma das katas do coxo -- eu mesmo. Para exemplificar ensinamento dos antigos mestres: a via do karaté não tem limites, nem de condição física, nem sequer de idade.
É esta a riqueza do karaté: há quase sempre possibilidade de prosseguir o treino, de fazer exercício físico, quando, muito provavelmente, todas as outras modalidades seriam inviáveis. Se tiver quem me faça o filme, amanhã coloco aqui uma das katas do coxo -- eu mesmo. Para exemplificar ensinamento dos antigos mestres: a via do karaté não tem limites, nem de condição física, nem sequer de idade.
segunda-feira, 18 de março de 2013
Avante, cidadões!
Em protestos contra o governo, uma estudante aponta o caminho a seguir: "...governar com o povo e com os cidadões..."
Ai, e é esta a "geração mais qualificada de sempre", dizem eles.
Ai, e é esta a "geração mais qualificada de sempre", dizem eles.
sábado, 9 de março de 2013
Nunca mais Primavera
Badaladas do sino
Ecoam pela aldeia deserta
Porta-voz do destino
Recordam aos velhos a morte certa
Quando será nunca mais Primavera
Pelo menos um dia radioso
Que enfeite a atmosfera
Neste tempo tão chuvoso?
Ah, rapazes do meu tempo
Ah, mocidade da minha geração
Uma fogueira no peito
Uma laranja em cada mão
Esqueçamos o tempo já passado
Vamos apanhar gelo
Vamos colorir o coração
(Nasçam malmequeres
Cresça a couve
que se sache e se monde
que se colha e se coma)
Lá, onde corre a fresca regueira
onde cresce o agrião
Enchamos o cinzento de laranjas
uma no céu, uma em cada mão
O sino dobra novamente a finados...
Ecoam pela aldeia deserta
Porta-voz do destino
Recordam aos velhos a morte certa
Quando será nunca mais Primavera
Pelo menos um dia radioso
Que enfeite a atmosfera
Neste tempo tão chuvoso?
Ah, rapazes do meu tempo
Ah, mocidade da minha geração
Uma fogueira no peito
Uma laranja em cada mão
Esqueçamos o tempo já passado
Vamos apanhar gelo
Vamos colorir o coração
(Nasçam malmequeres
Cresça a couve
que se sache e se monde
que se colha e se coma)
Lá, onde corre a fresca regueira
onde cresce o agrião
Enchamos o cinzento de laranjas
uma no céu, uma em cada mão
O sino dobra novamente a finados...
(Entre Cós e Alpedriz)
quarta-feira, 6 de março de 2013
Na morte de um caudilho
(Poema de Bertolt Brecht, retirado daqui)
A propósito da notícia da doença de um poderoso estadista
Se este homem insubstituível franze o sobrolho
Dois reinos periclitam
Se este homem insubstituível morre
O mundo inteiro se aflige como a mãe sem leite para o filho
Se este homem insbubstituível ressuscitasse ao oitavo dia
Não acharia em todo o império uma vaga de porteiro.
(tradução de Arnaldo Saraiva)
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