Os dois estucadores, cada qual a trabalhar num lado da sala enorme, aperceberam-se da entrada de um dos encarregados. O mais velho, homem magro, seco, a avizinhar os cinquenta, continuou na sua labuta, com o rigor e a calma habituais. O mais novo, jovem recluso da Prisão-Escola de Leiria, deu em lançar frenético estuque para o tecto, a todo o instante gritava-me: -- Massa! Traz mais massa depressa! Massa! E eu corria a dar-lhe serventia, estranhando, na minha juventude, tanta energia súbita...
O encarregado começou a implicar com o mais velho. Que pusesse os olhos no jovem. Porque afinal ganhava bem mais. Para fazer menos. A conversa depressa azedou.
Às tantas, ouço ao velho estucador: -- A chaminé ainda fuma e ainda tenho batatas na despensa!
Sem mais palavras, desceu do andaime, juntou as ferramentas e ala!
Também eu, que vou tendo batatas e lenha para o fogo, tenho a presunção de ser livre como esse estucador que nunca mais vi. Independente como ele. Com a arrogância de dispensar padrinhos, recusar empenhos, de não precisar das boas graças de nenhum merdas, dos muitos que infestam este país, que, por isso mesmo, fede insuportavelmente.
Sem comentários:
Enviar um comentário