A recepcionista levantou-se da secretária e dirigiu-se aos africanos, uns sentados nos sofás, outros de pé, todos silenciosos. Conto, por alto, a maré negra: dezoito! Com quem desejavam falar? Um dos gigantes, numa voz aflautada que faria rir noutro contexto, esclarece: -- É com o Zé Manel que a gente queremos falar.
-- Ah, mas o senhor José Manuel não vem hoje!
Os trabalhadores entreolharam-se alarmados, protestaram ruidosos. O líder atalhou o clamor com gesto de mão: -- A gente não saímos daqui sem falar com o Zé Manel.
A recepcionista encolheu os ombros e regressava à sua secretária, sem coragem ou sem vontade de argumentar, aparentemente habituada àquelas invasões. Mas reparou em mim, esquecido desde que os imigrantes tinham ocupado a sala: --- É melhor voltar noutro dia. Hoje, isto está complicado. E apontou com o olhar a complicação: aqueles trabalhadores da construção civil, decididos a esperar pelo Zé Manel, o subempreiteiro que recebe da empresa sete euros à hora e lhes paga dois ou três. Se pagar, que pode ter esturrado o vencimento do pessoal numa qualquer casa de alterne. Aqui, nesta empresa respeitável, ninguém tem culpa de nada, se necessário for, chamam a polícia, mostrarão recibos, deixarão bem claro que pulhices não são com eles – apenas com o engajador, o mesmo que todas as manhãs recruta vinte ou trinta imigrantes, sempre diferentes, e manda embora os outros, para que não se atrevam a reclamar, mesmo que lhes pague quanto e quando quiser. Dois andares acima, talvez os administradores sintam algum incómodo por não poderem sair antes que os trabalhadores zangados se cansem de esperar pelo Zé Manel, ou talvez riam da partida que, mais uma vez, pregou aos pretos…
NOTA: ouvi esta história ao Nuno, anos atrás, quando a construção civil florescia. Fui buscá-la à minha gaveta informática após ouvir hoje, num telejornal, protestos de trabalhadores africanos, também eles subcontratados.)
Sem comentários:
Enviar um comentário