Diariamente, uma matilha de rafeiros, arraçados de fox-terrier, esperava-me emboscada, quando, aí pelos meus treze, catorze anos, voltava da escola, rumo à casa onde estava hospedado, numa das pontas de Leiria: num ladrar infernal, cercavam-me, raivosos, a tentarem rasgar-me as calças, dilacerar-me as pernas. E eu, apavorado, costas contra as paredes das casas, tentava mantê-los à distância, repelindo-os com os pés, com os livros como se paus fossem, enquanto, como o caranguejo, andava de lado, até me afastar o suficiente do território a que chamavam seu e me deixarem ir à minha vida, sempre ladrando ameaçadores.
Se eu não andasse sempre na Lua, em permanente devaneio, lembrar-me-ia de ir prevenido com bolsada de pedras, ou, melhor, de ir dar uma grande volta, evitando passar pela azenha de onde eles saiam. Mas apanhavam-me sempre desprevenido. Creio que sabiam o meu horário.
Não foi premeditado, mas naquela tarde, cercado, quase mordido pela rafeiragem, fingi meter a mão no bolso como se lá tivesse pedra; recuaram, para voltarem ainda mais agressivos. E eu encontrei na algibeira uma bomba de Carnaval, de um modelo então novo, que acendia sem fósforo, bastava riscar na lixa da caixa de fósforos.
Foi o que fiz. Atirei-lhes a bombinha. Recuaram novamente, para , cada qual de seu lado, me voltarem a cercar e a atacar. O silvo da bicha acesa, como cobra furiosa, atraiu-os. Lançaram-se sobre a bomba, que saltitava na estrada, fumegando, Béu, béu, béu, a tentarem abocá-la.
Pum!
Ah cães dum raio! Foi ver qual fugia mais depressa para o moinho!
E daí para a frente, se me espreitavam era para prontamente desaparecerem, refugiando-se apavorados em casa.
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