Era uma tarde de domingo, e eu, no alpendre, ao sol, lia tranquilamente
o Expresso. Chama-me a atenção tropel rua abaixo. Um carneiro. Coitado, terá
sorte se não for atropelado. Ia recomeçar a leitura quando o vejo, no quintal
vizinho, a olhar-me. Não me preocupei. Separava-nos muro alto. De um salto,
ei-lo no meu quintal, à briga com o meu cão, o Clip, um boxer. Acorro a tentar
evitar que aqueles vândalos destruam a horta – o que depressa fazem, antes que
consiga prender o Clip, que ladra furioso e corre em torno do carneiro que investe
à marrada.
Como vou pôr na rua esta visita indesejada? Lembro-me dos cobóis.
Com baraço, prendo-o pelo pescoço e puxo. Finca as patas no chão, não o consigo
fazer avançar. Grito pela minha mulher. Peço-lhe que bata nas traseiras do
carneiro enquanto eu puxo. E ela começa a bater, a medo – com talo de couve!
Esforço-me, o carneiro cai por terra asfixiado. Alivio o garrote. Recomeçamos
os três. Muito a custo, conseguimos pô-lo na rua.
Mas ele, em galope rápido, entra novamente no quintal do
vizinho, daí salta o meu muro, ei-lo outra vez no meu quintal. E nós a
escorraçá-lo. Centímetro a centímetro, que ele asfixiava e desmaiava
frequentemente. Então deixava-o respirar, pôr-se de pé, ainda cambaleante, e
vai de o puxar para fora do meu quintal.
Outra vez a mesma história. Lembro-me de enigma do livro da
escola primária, algo como como transportar num barco um lobo, um cordeiro e
uma folha de couve, e adapto-o: solto o cão, consigo, muito a custo, que o seu
ladrar mais enervava o intruso, fechar o carneiro no canil, a investir contra a
rede que ameaçava romper, saio a perguntar aos vizinhos com rebanhos se lhes
faltava rês. O primeiro que encontro está a cair de bêbedo. Depois de me fazer
entender, o que demorou, que as minhas palavras só a custo atravessavam a névoa
alcoólica que o envolvia, bem patente no bafo que exalava, lá me diz que acha
que não.
Figuras que fazemos: eu, que por ali não conhecia ainda
ninguém, a tocar às campainhas, a bater às portas: -- Vizinho, apareceu um
carneiro no meu quintal, sabe de quem é?
Depois de muito porfiar, lá dei com o dono. Ou com a pessoa
que me disse que sim, tinham-lhe fugido cordeiros assustados com um cão, ainda
lhe faltavam alguns. E lá vamos, eu, o vizinho, o filho, um baraço para trazer
o animal de volta ao redil: -- Olhe que não o vai conseguir trazer à corda! Experimentei
e ele finca as patas no chão, não há como o fazer andar.
Mas trouxe. E, surpresa, sem oferecer resistência. O truque?
Pois o filho levanta uma das patas traseiras do animal, e aí vai ele, a seguir
o dono como um cordeirinho.
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